É curioso que “Família Exemplar” tenha estreado na Netflix em meio a tantas outras séries coreanas pululando no serviço no formato de episódios semanais. Ao contrário de “Uma Advogada Extraordinária”, “Café Minamdang”, “Alquimia das Almas”, entre outras, “Uma Família Exemplar” se distancia da influência novelesca e do melodrama dos k-drama para contar uma história mais próxima do poderoso cinema sul-coreano.
“Uma Família Exemplar” é uma trama policial com boa dose de drama familiar. Após o impacto de vermos um homem sendo enterrado vivo, conhecemos Ha-Dong Park (Woo Jung), um professor que acaba de perder uma promoção e com problemas no casamento - sua esposa o considera um grande fracasso. Além disso, o filho mais novo de Ha-Dong tem um problema cardíaco e precisa de uma cara operação para levar uma vida normal.
Voltando para casa, em uma estrada deserta, um carro bate na traseira do carro de Ha-Dong que, ao sair para reclamar com o condutor, encontra duas pessoas mortas e dinheiro o suficiente para resolver todos os seus problemas com muita folga. O quê fazer? O professor pega o dinheiro, se livra dos corpos, limpa as evidências e abandona o carro em um lugar afastado.
Em dez episódios de cerca de 45 minutos, “Uma Família Exemplar” coloca Ha-Dong entre os próprios problemas familiares, a polícia e o mafioso cartel de drogas. A influência de séries como “Ozark” e até “Breaking Bad” fica clara, com uma pessoa comum levada a situações extraordinárias. O texto equilibra bem as tramas policial e familiar, traçando, inclusive, paralelo entre elas. As comparações entre as estruturas da família de Ha-Dong, a máfia coreana e a polícia são inicialmente sutis, com uma ou outra situação semelhante, mas se torna bem mais direta nos episódios finais da temporada.
É interessante como as viradas do texto acontecem de forma orgânica e são tratadas com certa normalidade, fugindo do padrão melodramático dos dramas coreanos. Isso não significa que essas viradas não tenham peso na trama, pois são elas que mudam a série de direção o tempo todo. Essa dinâmica faz com “Uma Família Exemplar” esteja sempre em movimento, com algum arco novo ou algum risco iminente à família de Ha-Dong.
Apesar disso, a série faz escolhas nem sempre acertadas ao se esforçar demais nos três núcleos, sacrificando principalmente o policial. O jogo de poder do cartel é meio confuso, mas bem explorado, assim como o drama familiar central, com o qual acabamos entendendo mais da personalidade do protagonista.
Falta à série, no entanto, arcos dramáticos mais definidos e enxutos. Após um excelente início, “Uma Família Exemplar” perde força no meio da temporada antes de reencontrar seu ritmo nos episódios finais - a série seria bem resolvida em oito episódios ao invés dos dez se o roteiro fosse menos difuso em alguns momentos. O arco de Ha-Dong é derivativo e nada ali depende realmente dele, tornando o protagonista apenas uma peça em um jogo mais complexo. O personagem que realmente se destaca é o mafioso Gwang-cheol Ma (Hee-Soon Park, da ótima “My Name”), que ganha uma história pregressa, motivações e camadas.
O roteiro escorrega também no didatismo dos diversos flashbacks. Em várias sequências, até subestimando a inteligência do público, a série mostra novamente uma situação ocorrida há pouco tempo para não restar dúvidas ao espectador mais desatento. O recurso não é apenas desnecessário, mas também muito prejudicial ao ritmo da narrativa toda hora interrompida para alguma explicação.
Nos momentos mais agitados, “Uma Família Exemplar” lembra o clássico honconguês “Conflitos Internos”, filme que inspirou “Os Infiltrados” (2006), de Martin Scorsese. A promessa de um tenso drama policial, no entanto, se dissipa na tentativa de explorar outras possibilidades como o drama familiar, mas o resultado são dois arcos razoáveis e nenhum espetacular.
Ao fim, apesar da repetitiva trilha sonora, a série tem ótima produção, fotografia eficiente e um texto sóbrio que aproxima tudo da realidade. Falta, porém, o fator que marque o espectador, que cause impacto - as viradas do texto são boas, mas alguns conflitos são resolvidos com muita facilidade e sem o devido peso. Mesmo não sendo espetacular ou um primor de originalidade, “Uma Família Exemplar” tem ótimos momentos e uma naturalidade que a tornam uma série acima da média.
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