“Uncharted: Fora do Mapa” é um caso curioso para se analisar a indústria de cultura pop. Quando “Uncharted: Drake’s Fortune” chegou ao PlayStation 3, em 2007, sua principal característica era a qualidade cinematográfica que levava o jogador para dentro de uma aventura espetacular e grandiosa, com personagens bem desenvolvidos e um roteiro superior, inclusive, à grande maioria do que se faz no cinema de ação.
Quase 15 anos depois e outros três jogos lançados (além de algumas expansões), a adaptação da franquia finalmente chega aos cinemas após muitos adiamentos e alguns reinícios do projeto que já teve nomes como David O'Russel, Robert De Niro, Shawn Levy entre muitos outros envolvidos. A ironia é perceber que “Uncharted: Fora do Mapa” sofre para levar para os cinemas o caráter cinematográfico que torna as aventuras de Nathan Drake tão atrativas; provavelmente devido ao orçamento de US$ 120 milhões, considerado médio para um blockbuster.
O resultado é que “Uncharted: Fora do Mapa” é um genérico sem charme de “Indiana Jones” ou até mesmo do já genérico “A Lenda do Tesouro Perdido”. O filme dirigido por Ruben Fleischer ("Zumbilândia") tem alguns bons momentos e referências para os iniciados no mundo de “Uncharted”, mas tudo é efêmero nessa aventura que funciona como um prelúdio para os jogos.
Trata-se de uma história de origem que não se preocupa tanto em dar origens aos personagens. Quando conhecemos o ladrão Nathan Drake (Tom Holland), conhecemos também Victor “Sully” Sullivan (Mark Walhberg), um veterano ladrão tentando recrutar o jovem para uma grande busca a um tesouro, aventura na qual o irmão mais velho de Nate, Sam, estava envolvido antes de desaparecer. Não demora para que outra velha conhecida dos jogos, Chloe Frazer (Sophia Ali), seja introduzida também ao universo do filme sem grandes preocupações em respeitar o que já foi contado nos jogos.
Tom Holland se sai até bem como um Nathan Drake bem mais jovem do que a versão dos jogos apesar de um problema de casting com a idade. O ator tem carisma o suficiente para segurar o personagem cheio de frases de efeitos e com uma pegada engraçada. Mark Walhberg, por sua vez, não convence como Sully - no piloto automático de sempre, o ator praticamente cria um mentor diferente para Drake, um personagem bem distante daquele que o público já conhece. Isso, vale ressaltar, é um problema até mais do texto do que de Wahlberg, mas, com o filme em tela, é o rosto dele que é incapaz de dar vida ao querido Sully.
É difícil cobrar “Uncharted: Fora do Mapa” pela falta de profundidade de seus personagens em comparação aos jogos, pois o filme é praticamente uma missão do jogo. Até ciente de que não teria como reproduzir várias dinâmicas e sequências do material original, o roteiro cria arcos novos que não são sempre ruins, mas tampouco se destacam além de uma ou outra cena.
Mesmo que os jogos não sejam lá poços de originalidade, eles obviamente funcionam para colocar o jogador dentro da história, vivendo sua própria aventura cinematográfica cheia de ação, trens e aviões explodindo, quebra-cabeças e muito tiro. “Uncharted: Fora do Mapa” tem um pouco de cada característica da franquia, mas as trata quase como uma cartela de bingo, tendo que obrigatoriamente preencher todas as opções, ao invés de trabalhá-las. O filme ainda traz vilões desinteressantes, com motivações bobas, e subaproveita Moncada (Antonio Banderas), o único que poderia render algo.
Apesar das críticas acima, o filme não é de todo ruim, apenas um produto inferior aos jogos da franquia. O filme tem momentos divertidos com sequências de ação bem construídas por Fleischer (que até repete uma delas) e algumas boas piadas sustentadas por Tom Holland, ator já acostumado a personagens engraçadinhos após seis anos de Peter Parker no Universo Cinematográfico Marvel.
Mesmo em um trabalho nada autoral, Fleischer imprimi ao filme doses do que ele poderia ter sido se tivesse melhores ideias e menos computação gráfica. “Uncharted: Fora do Mapa”, no entanto, é um filme que ironicamente consegue ser mais artificial do que um jogo - não há sangue e parece não existir sexo. É claro que ninguém deveria esperar uma aventura picante, mas a tensão sexual sempre foi uma das características de Nathan Drake e suas parceiras de aventura.
Ao fim, a adaptação de “Uncharted” para os cinemas passa longe da qualidade da franquia nos jogos. O filme é genérico em excesso e talvez até funcione para quem nunca teve a companhia de Sully enquanto comandava Nathan Drake em uma aventura, mas para os fãs dos jogos, vale apenas como um afago e a sensação de que o cinema atual dificilmente tem condições de repetir o senso de espetáculo de um jogo como “Uncharted”.
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