“Velozes & Furiosos” é uma franquia que merece ser estudada, e isso não é necessariamente algo bom. Do início, um drama policial temperado por corridas ilegais de carros customizados, aos últimos filmes, que conferiram poderes sobrenaturais aos personagens, a franquia se acostumou a pegar tudo o que há de pior e mais criticado na cultura pop e reunir em seu universo. Os roteiristas da saga de Dominic Toretto e sua “família” perderam totalmente qualquer resto que tinham de vergonha na cara em aventuras que não apenas ignoram “as leis da gravidade ou de Deus” (como diz um personagem), mas também o senso crítico do público.
Desde o quinto filme, lançado em 2011, “Velozes e Furiosos” abraçou o ridículo, mas de forma plenamente calculada. Faz sentido, assim, que o início do fim se conecte justamente com o filme que se passa no Rio de Janeiro do multiverso, aquele onde todos falam melhor inglês do que português e no qual pegas são disputados à luz do dia na principais avenidas à beira do mar.
Quando “Velozes e Furiosos 10” tem início, voltamos aos acontecimentos do Rio e vemos Dom e Brian (o finado Paul Walker) roubando um enorme cofre e saindo em disparada com ele pelas ruas da cidade. Desta vez, porém, toda a cena tem um novo personagem, Dante (Jason Momoa), filho do vilão Hernan Reyes (Joaquim de Almeida), que morre ao fim do quinto filme. A partir daí, tudo segue como previsto, com muitos discursos sobre honra e principalmente família, inimigos que se tornam aliados, aliados que se tornam traidores, aparições “surpresas” e uma ação ininterrupta – o filme é ágil, nunca fica parado, mas a ação se torna banal com o tempo.
O filme passeia pelo mundo, indo do Rio de Janeiro para Roma, de Nápoles para Los Angeles, passando por Londres e tendo seu clímax no interior de Portugal; uma necessidade, visto que a saga faz muito mais sucesso mundo afora do que nos EUA. “Velozes e Furiosos 10”, porém, tem um diferencial: Jason Momoa. Com tantos personagens com personalidades já definidas e pouco interessantes na saga, Dante é o coringa, o agente do caos, um sociopata sem nenhuma preocupação além de causar sofrimento aos responsáveis pela morte de seu pai.
É curioso como o universo “Velozes e Furiosos” realmente abraçou o estilo de cinema do Universo Cinematográfico Marvel. O roteiro espera que cada aparição marque uma surpresa (o filme anseia pela palma do espectador) e não tem vergonha de trazer personagens de volta à vida ou de introduzir outros que não fazem sentido algum. É o caso de Jakob (John Cena), irmão de Dom, família, mas sobre o qual nunca havia sido dito uma palavra até o nono filme. Sem entrar em spoilers, é claro que isso acontece novamente no décimo, a primeira parte da dualogia (ou trilogia) que encerrará a franquia, com a personagem de Brie Larson e outras aparições já devidamente “vazadas” antes da estreia.
As cenas de ação são tão absurdas e irreais que parecem ser um desafio dos produtores para o público, a quem resta apenas duas opções, a diversão ou a irritação. Fato é que “Velozes e Furiosos” virou uma galhofa, uma comédia que ninguém leva a sério além de Dominic Toretto, e a grande diversão oferecida pelos filmes reside nas soluções encontradas nesse absurdo.
Nessa construção, o Dante de Momoa é tão ridículo que funciona como o epítome de todas as coisas esdrúxulas que vimos em tela ao longo dos anos. Ele é o anti-Dom, não leva nada a sério, não tem mais sua família e não quer paz. Sempre rindo e fazendo piadas, está sempre à frente dos mocinhos, com planos tão estapafúrdios quanto elaborados, sempre dependendo de alguma coincidência que quase sempre vem.
O problema de “Velozes e Furiosos 10” é o número que carrega no título. Em seu décimo primeiro filme (ainda tem o bom “Hobbs & Shaw”), o TorettoVerso tem dificuldades de ser original. Toda cena de ação, por mais elaborada que seja, parece já ter sido construída em outro filme – há boas ideias, como o objetivo da cena de Roma, mas ela remete novamente ao cofre sendo carregado pelas ruas do Rio. Que Dominic Toretto não me ouça, mas talvez fosse o momento de os filmes deixarem um pouco os veículos de lado para apostar em cenas de ação mais cruas, ao estilo “John Wick”, como duas protagonizadas por Charlize Theron no novo filme.
O filme dirigido por Louis Leterrier (em sua estreia na franquia) é risível quando parte para o melodrama, o que talvez seja até intencional, já que a saga tem buscado se sustentar em uma espécie de autossátira. A sisudez de Vin Diesel, as aparições milagrosas, a volta dos que não foram e as voltas dos que haviam ido devem ser consumidas como piadas, pois é a única maneira de o espectador não se entender como alvo de chacota. O filme tenta mexer com o emocional de seu público acreditando no vínculo dele com seus personagens, mas esse vínculo não existe – Dom é chato, muito chato, e seus parceiros apenas cumprem papéis pré-determinados e repetidos filme após filme.
Ao fim, “Velozes e Furiosos 10” é um filme incompleto, um texto usado para colocar as peças na mesa para o suposto fim da saga; quando o cenário final vai se apresentando, não há emoção e pouco se teme pelos personagens, principalmente após a cena que encerra o filme (há ainda uma durante os créditos). O filme de Leterrier tem muitos problemas, mas também tem o mérito de tentar explorar esses problemas a seu favor e divertir um espectador que sabe exatamente o que vai encontrar na sala de cinema.
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