Quando foi lançado em 2018, “Venom” foi uma grande surpresa. Apesar do “boom” dos super-heróis e das adaptações de histórias em quadrinhos, era difícil imaginar que o personagem funcionaria retirado de seu contexto no universo do Homem-Aranha. Na verdade, dizer que o filme “funcionou” não é um retrato exato. Dirigido por Ruben Fleischer (“Zumbilândia”), “Venom” tem seus melhores momentos quando abraça o ridículo e brinca com os limites do que pode ser considerado “de bom gosto” no cinema de heróis. O filme se sustenta na atuação de Tom Hardy como Eddie Brock e nas interações dele com o simbionte também interpretado por Hardy. O resultado é um filme bobo, com alguns momentos divertidos e nada além disso.
“Venom: Tempo de Carnificina” não é muito diferente de seu antecessor, mas entende alguns dos problemas do filme de 2018 e até se esforça para corrigi-los. A fórmula está presente, sem ousadia, mas Hardy está ainda melhor e a dinâmica de Brock com o simbionte confere ao filme um ar de “buddy cop”, aqueles filmes de parcerias policiais improváveis.
O filme dirigido por Andy Serkis continua sendo uma grande piada, uma brincadeira que tem bons momentos, garante algumas risadas, mas nunca decola. Com 90 minutos de duração, o filme não gasta tempo explicando os acontecimentos do filme anterior - tudo o que interessa é o que você verá nessa hora e meia. A trama tem início com uma série de flashbacks para mostrar o passado de Cletus Kasady (Woody Allen), o sujeito que aparece sem nenhuma sutileza nos créditos do primeiro filme já deixando claro que estaria no que chega nesta semana às telas.
Situados em 1996, os flashbacks mostram a origem da caótica relação entre Cletus e Frances (Naomi Harris). Serkis faz uma escolha curiosa e já mostra o tom do filme: mesmo com Jack Bandeira e Olumide Olorunfemi em tela vivendo os jovens Cletus e Frances, as vozes são de Harrelson e Harris.
A origem do Carnificina não é das melhores, mas sua gênese nos quadrinhos também não é lá grandes coisas. Sem a trama de Eddie e Cletus serem colegas de cela, o texto coloca o protagonista em uma entrevista exclusiva com o assassino prestes a ser executado. Venom, vale ressaltar, é um gênio e ajuda seu parceiro a resolver os crimes cometidos pelo condenado e, assim, recuperar seu prestígio como jornalista. Sem entrar em spoilers, pode-se dizer que obviamente Cletus se conecta a um simbionte de maneira similar à relação de Eddie e Venom, mas os instintos assassinos do personagem o tornam um grande e perigoso vilão.
“Venom: Tempo de Carnificina” é melhor quando centrado em Tom Hardy. Como o próprio Andy Serkis já disse, o filme é quase uma história de amor entre Eddie e Venom e, por isso, usa as fórmulas e as estruturas das comédias românticas. Depois do encontro do primeiro filme, eles têm vivido de forma “pacífica” com uma única e clara regra: não comer pessoas (algo normalmente contestado pelo simbionte).
Com curta duração, o filme é ágil e não perde tempo ao apresentar toda a premissa, basicamente tudo o que foi dito até agora, em cerca de 15 minutos. O início de conexões caóticas e edição ousada acaba dando lugar a um filme mais seguro, seguindo todo o ciclo narrativo já esperado de uma história de super-herói.
Serkis opta pela certeza de repetir o que funcionou no primeiro filme ao invés de levar o personagem e o universo para caminhos mais absurdos, o que seria totalmente possível e justificado. Há ainda algumas escolhas questionáveis no roteiro, como a separação de Venom e Eddie que coloca o alienígena solto na cidade, pulando de corpo em corpo, e com uma aventura que culmina em uma festa em que ele “sai do armário”.
O personagem, vale lembrar, é celebrado pela comunidade LGBTQIA+ por sua luta por representatividade, sua identidade não-binária e por seu relacionamento poliamoroso com Eddie e Anne (Michelle Williams, no filme). Carnificina, por sua vez, é fruto da epidemia de Aids nos anos 1980 e 90 - era uma ameaça vermelha, como o sangue que transmite a doença, e deixava um grande rastro de corpos pelo caminho.
Voltando ao filme, vale destacar o trabalho de Andy Serkis com a computação gráfica. Uma das maiores referências da indústria em tecnologia de captura de movimentos, Serkis entende os poderes e os limites do que tem em mãos. Assim, “Venom: Tempo de Carnificina” tem sequências criativas de ação e bastante caos. É interessante ver como o diretor filma de maneira diferente protagonista e antagonista, dando uma identidade para cada personagem. No único confronto entre Venom e Carnificina, no entanto, o excesso de CGI incomoda mesmo com boas “coreografias” e uma criatividade no combate.
Ao fim, a ideia de transformar Venom, fora de seu universo de origem, em uma espécie de Deadpool não é ruim. O filme corrige erros de seu antecessor ao trazer um vilão, uma ameça que antagonize o protagonista - ajuda que ele seja Tom Hardy e os antagonistas sejam interpretados pelos ótimos Woody Harrelson e Naomi Harris. “Venom: Tempo de Carnificina” é um filme que não deve ser levado a sério, uma obra que funciona como uma grande brincadeira, recheada de autoironia e com piadas nem sempre de bom gosto. Apesar da roupagem ousada, trata-se de um filme seguro, que peca por não ousar mais e por se manter firme às estruturas dos gêneros pelos quais passeia.
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