Uma das coisas mais legais de ser um jornalista de cultura é poder conversar com artistas, mas não como um fã ou como um crítico de seu trabalho, e sim como alguém tentando entender um processo criativo e aprendendo mais sobre algo.
Existe a clara necessidade de o jornalista se despir de preferências e gostos - um amigo meu não-jornalista costuma dizer “não importa o que você gosta”, e isso é algo que deve ser levado para a redação (ou o home office, no momento). A compreensão de há muito mais coisa boa sendo produzida fora do seu espectro de preferência do que dentro dele é fundamental para um bom profissional - pode-se aprender muito mais entrevistando Michel Teló (um dos caras mais bacanas da música brasileira) do que o João Gordo, vocalista do Ratos de Porão e um sujeito sem paciência para entrevistas.
Quando escrevi sobre o último disco da banda Melim, recebi comentários de “nossa, parece que você é um grande fã da banda”. Não sou, mas fico feliz demais com esse tipo de comentário. Se o texto (uma entrevista, não uma crítica) passa essa impressão ao leitor, significa que o autor conseguiu captar ali a essência do artista, conseguiu entender seu processo criativo, seus anseios de mercado e sua relação com seu público.
Espero que os mesmos tipos de comentários surjam deste texto, que tem o disco novo de Vitor Kley como ponto de partida. “A Bolha”, lançado nesta quinta-feira (18), é o sexto disco de estúdio do músico gaúcho de 25 anos - dois lançados de forma independente, ainda na adolescência, e os outros lançados pelo selo Midas Music, de Rick Bonadio.
Ao telefone...
Do outro lado da linha, de São Paulo, para onde foi para gravar a live beneficente após passar um período de isolamento social com a família no Rio Grande do Sul, Vitor atende o telefone empolgado para mais um dia de entrevistas de divulgação do álbum, um processo normalmente cansativo. Mas o músico está animado em compartilhar “A Bolha” com o mundo. O disco, segundo ele, vai da música de churrasco às noites de melancolia.
“Esse disco é muito eu e fico muito feliz com isso”, conta, antes de completar: “se eu ouvisse essas músicas por outros artistas, ia gostar delas. É o nível de satisfação que o álbum está me dando”.
Autor do megahit “O Sol”, Vitor Kley diz não se sentir pressionado por um novo grande sucesso, mas a pegada de reggae pop e música brasileira potencializada pela produção de Bonadio (o “Midas” no nome do estúdio não é à toa) faz de “A Bolha” um festival de possíveis hits. O álbum dialoga diretamente com o que se faz hoje: músicas alegres, pra cima, com letras positivas e uma produção impecável.
“A Bolha” é mais orgânico que “Adrenalizou”, ouve-se mais o violão e os pequenos arranjos. O naipe de metais acrescenta camadas de melodia e balanço dignas de Jorge Benjor e Tim Maia. “Bah! Que bom que você percebeu isso. A gente (Vitor e Rick) ouviu muito Jorge Ben na produção”, disse, animado. Ao mesmo tempo, é um disco bem mais de banda, com os já citados metais e alguns ritmos diferentes - sai aquele Vitor Kley voz e violão e entra uma estrutura maior.
Na contramão do momento em que artistas têm priorizado EPs e singles, Vitor optou pelo lançamento de um disco “full”. A ideia, segundo ele, era lançar um trabalho que registrasse um momento de sua vida para os fãs. “Eu tinha 30 músicas, dessas, 20 eram muito boas e queria lançá-las. Vou deixá-las guardadas ou dar para os meus fãs esse período da minha vida?”, reflete.
Vitor Kley
Cantor e compositor
"Se eu não tivesse tido o sucesso com 'O Sol' eu estaria feliz tocando em barzinhos, ganhando 20 pila e um jantar. Fazer música me dá uma alegria muito grande, e o sucesso possibilita você ver as pessoas cantando o que você escreveu. Isso é mágico e permite que a gente ajude pessoas, empregue pessoas na área, faça a roda girar. Disso ninguém se lembra na hora da crítica."
“A Bolha”, guardadas as devidas proporções, até tem estrutura musical de um disco de vinil. Do primeiro lado, destaque para “Ainda Bem Que Chegou” e “O Amor é o Segredo”, que ganhou um clipe simples e lindo. A dupla dá um clima mais ensolarado ao trabalho. Esse pegada vai até a música que dá nome ao disco - “A Bolha” é um rock diferente de praticamente tudo o que o gaúcho já fez em sua carreira, uma música para encerrar o “lado A”.
“Eu estava no estúdio com o cara que produziu praticamente tudo de rock dos anos 1990 e 2000, de Mamonas a Charlie Brown Jr., Fresno CPM 22. Sempre gostei de rock, nosso show já era mais rock, então quis levar isso para o disco”, explica.
Do “lado B”, que vai de “O Tempo” até “Vai na Fé” (música preferida de Vitor no disco), há um clima diferente, com uma experimentação mais aparente; “Sua Falta”, por exemplo, tem melodia de voz que se encaixaria nos bons momentos do Barão Vermelho. Há também métricas e scratches de rap em “Retina” e coros de música gospel na já citada faixa de encerramento.
“Eu ouvi muito disco de vinil, dois lados, queria isso no meu disco”, explica. Mas peraí… “Você tem 25 anos, não pegou a fase dos discos de vinil”, questiono. Vitor responde: “eu adorava pegar os discos do meu pai, do Supertramp, e ficar vendo encarte, trocando de lado”.
Gosta desse tipo de música? “A Bolha” de Vitor Kley é ótima opção. É leve, alto astral, variado e com boas melodias. Não gosta? Melhor procurar outra coisa do que ficar criticando, né?
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.