A Viúva Negra é uma das personagens mais escanteadas do Universo Cinematográfico Marvel. Vingadora da formação original, viu todos os seus colegas de supergrupo ganharem filmes solo ou algum desenvolvimento nos próprios filmes, caso do Gavião Arqueiro.
A personagem de Scarlett Johansson, porém, serviu por muito tempo como escada para seus companheiros de equipe - até sua morte, em “Vingadores: Ultimato”, foi ofuscada pela morte do Homem de Ferro, que teve um emocionante enterro enquanto Natasha Romanoff se despediu como um pré-clímax, um sacrifício para manipular as emoções do espectador do filme antes da grandiosa sequência final. “Ah, mas ela se sacrificou para que aquilo tudo pudesse acontecer. É uma grande heroína”, podem argumentar, até para a minha concordância, e é justamente esse o motivo pelo qual ela merecia mais consideração de seus pares.
A esfarrapada desculpa de Joe Russo, um dos diretores, foi de que a Viúva Negra ganharia seu próprio filme no ano seguinte, o que no argumento do cineasta, justificaria a pouca importância da sua morte para seus colegas. Balela. De qualquer forma, “Viúva Negra”, o filme, finalmente está entre nós, nos cinemas ou como conteúdo pago (R$ 69,90) na Disney Plus, após os diversos adiamentos em virtude da pandemia.
O filme dirigido pela australiana Cate Shortland (do ótimo “Lore”) seria muito melhor aproveitado antes dos últimos “Vingadores”, mas ainda assim é ótimo. “Viúva Negra” é o filme para trazer a Marvel de volta a histórias menos espetaculares, sem grandes ameaças à humanidade ou algum vilão cósmico. Ao invés disso, o filme é um acerto de contas que pode ser entendido como uma história de vingança ou de redenção - quem sabe até as duas coisas.
Situado entre “Capitão América: Guerra Civil” e “Vingadores: Guerra Infinita”, o filme traz Natasha como uma fugitiva lidando com o luto do fim dos Vingadores. Ela então encontra sua “irmã”, Yelena (Florence Pugh), que revela que o general Dreykov (Ray Winstone, com um sotaque medonho), responsável pelo programa que sequestra jovens e as transforma em assassinas, em Viúvas Negras como Natasha e Yelena, continua operando. O programa Sala Vermelha nunca acabou e agora atua de forma ainda mais cruel.
“Viúva Negra” obviamente é um filme de heróis, com grandes sequências e vícios do gênero, mas é também um filme de espionagem com pitadas de drama familiar. O filme estrelado por Scarlett Johansson tem um tom um pouco mais pesado do que os filmes do mesmo universo, é um texto sobre traumas e abusos. Em uma cena em particular, Natasha e Yelena conversam sobre a esterilização a que foram submetidas e contam, sem pressa, como cada uma lida com esse trauma. Não é um texto fácil.
O núcleo principal do filme é ótimo. Além das já citadas Johansson e Pugh, a “família” ainda conta com a excelente Rachel Weisz como a “mãe” da casa e o bonachão David Harbour como Alexei Shostakov, o Guardião Vermelho, resposta soviética ao Capitão América na Guerra Fria. O núcleo funciona ao mesmo tempo como arco dramático e cômico.
É interessante ver as diferenças entre Yelena e Natasha, mesmo as duas tendo passado pelo mesmo programa. Natasha viu o mundo, enfrentou grandes vilões e se “libertou” do programa, mas Yelena permaneceu a seus pais de mentira e sonhando com a época em que todos eram agentes soviéticos como uma família. Assim, surpreende que seja a personagem de Pugh que leve tudo com mais leveza, contrastando com a sisudez da de Johansson. As duas funcionam muito bem em todos os momentos - conversando amenidades, se provocando, lutando entre si ou trabalhando juntas em combate. Florence Pugh merece destaque ao construir uma personagem adorável, mas visivelmente cheia de cicatrizes.
“Viúva Negra” tem algumas das melhores sequências de luta do Universo CInematográfico Marvel, cenas que nos fazem lembrar o que é a Marvel nos cinemas, bem distante das lutas de qualidade bem duvidosa das séries lançadas na Disney+ como “Falcão e o Soldado Invernal” e “Loki”.
As lutas funcionam muito bem quando em dimensões menores, principalmente contra o Treinador, vilão subdesenvolvido (mais um), mas com a habilidade de reproduzir o estilo de combate de outros lutadores - é muito bacana adivinhar qual Vingador ele está emulando em diferentes momentos e o texto poderia ter aproveitado mais isso. Em grandes dimensões, porém, as sequências de ação se tornam genéricas, com o já esperado uso excessivo de computação gráfica e aquela aparência de videogame.
“Viúva Negra” é um filme que deveria ter sido lançado antes da morte da heroína, uma história de redenção que nos aproxima de uma das personagens mais subaproveitadas do universo Marvel, ironicamente a com história de mais fácil assimilação, sem super-poderes ou alienígenas. Natasha Romanoff tem uma jornada de luta, dor e traumas. Agora ela finalmente ganha um filme solo para revelar suas marcas e fazer com que o espectador entenda boa parte de suas escolhas e atitudes prévias.
O filme não é perfeito e sofre um pouco para equilibrar seus arcos, mas tem estilo próprio, boa direção, um grande elenco e, ao contrário de boa parte dos filmes de heróis, funciona bem sozinho, sem exigir que o espectador casual tenha assistido a seus 23 antecessores. Ao fim, “Viúva Negra” cumpre seu papel de fazer o público gostar mais da personagem e ainda introduz Yelena, possivelmente a nova Viúva Negra para o Universo Cinematográfico Marvel. É bom ver a Marvel de volta aos cinemas, ou ao menos ver obras feitas com essa ambição.
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