O cinema de comédia brasileiro tem características bem particulares. Com muita influência de novelas e de humorísticos televisivos, os filmes normalmente absorvem atores, piadas e estilo desses programas. O resultado são filmes de grande apelo popular e vários sucessos de bilheteria, mas também filmes que pouco ousam e acabam malquistos pela intelligentsia da crítica cultural.
Neste cenário, poucos cineastas se destacam tanto quanto Roberto Santucci. Após um início de carreira em outros gêneros (dirigiu “Bellini e a Esfinge”), Santucci se encontrou no primeiro “De Pernas pro Ar” (2010) e não parou mais. Na última década, quase tudo o que ele dirigiu virou sucesso de bilheteria - “Até Que a Sorte Nos Separe”, “O Candidato Honesto”, “Um Suburbano Sortudo”, “Os Farofeiros”, filmes dos quais talvez você não goste, mas que têm um público cativo e fórmulas que funcionam.
Com o sucesso nos cinemas, era questão de tempo para que o cinema de Roberto Santucci e do roteirista Paulo Cursino, seu parceiro habitual, chegasse forte à Netflix. “Vizinhos”, que chega nesta quinta (1) à plataforma, tem Leandro Hassum e Maurício Manfrini em uma comédia de costumes, com personagens caricatos e com sequências que às vezes parecem esquetes, ou seja, tudo para agradar um público e incomodar outro.
Conhecemos Walter (Hassum), um vendedor de instrumentos e equipamentos musicais que tem um colapso com tanto barulho e, após ir ao médico, descobre que pode morrer se continuar exposto a sons altos com frequência. Ao lado da esposa, Joana (Júlia Rabello), ele se muda para a região serrana, para o condomínio Bairro do Sossego, onde tudo parece tranquilo.
O filme imediatamente convence o espectador de que a vida no local é pacífica, com Walter e Joana felizes e desfrutando da paz em uma montagem que até se assemelha a um sonho. É em contraponto a essa sequência que a cena que mostra um vizinho misterioso chegando à casa ao lado, durante a noite, à luz da Lua, ganha ares de “terror” clássico, já avisando que algo de ruim aguarda o protagonista. No dia seguinte, Walter acorda com uma escola de samba ensaiando na casa de seu vizinho Toninho (Manfrini), mestre de bateria da agremiação da região e amado por todo mundo. Sim, a premissa é básica, não muito diferente do filme homônimo dirigido por Nicholas Stoller e estrelado pela dupla Seth Rogen e Zac Efron, mas quem se importa?
Com seu conflito estabelecido, “Vizinhos” parte para o humor. É interessante como, a princípio, os dois personagens são antipáticos - o vizinho que quer acabar com o festa e o vizinho barulhento, com a casa sempre cheia de gente e de animais não menos incômodos. O texto inteligentemente antagoniza os dois, mas também dá a eles camadas para despertar identificação.
Walter e Toninho são caricaturas opostas. Enquanto o personagem de Hassum é rabugento e passivo-agressivo, Manfrini cria seu Toninho como um sujeito boa praça, que fala alto, um cara com raízes suburbanas que ganhou dinheiro e levou toda a família para a “nova” vida. O contraste também está nas esposas dos protagonistas; Joana é uma consultora de investimentos, uma mulher de fala mansa em oposição a Kelly (Marlei Cevada), a espalhafatosa esposa de Toninho.
“Vizinhos” é melhor quando parte para o absurdo, como no arco que antecede o início do terceiro ato, com Walter levado ao limite. Espalhados pelo filme, há momentos engraçados que se prolongam demais, é o caso da cena da mesa espírita ou o momento “Porta dos Fundos” de Júlia. Paulo Cursino e Roberto Santucci levam para o filme piadas que necessitam de alguma referência - uma de Manfrini é ótima pela espontaneidade, mas a já citada, com Júlia, soa forçada.
Misturando um humor físico com outros à base dos diálogos, “Vizinho” funciona pela dinâmica entre Hassum e Manfrini. Os protagonistas se alternam o tempo todo na função de “escada” para a piada do companheiro de cena, aparentemente sem a vaidade de concentrar toda a graça do filme. O recurso funciona, pois, com dois personagens (e atores) de estilos tão diferentes, o filme se repete menos do que o de costume - há, sim, repetição de piadas quase como bordões dos humorísticos televisivos, mas não chega a incomodar.
A Netflix percebeu haver público para as comédias brasileiras e não parece querer recuar na produção de originais. A parceria de Santucci e Hassum já rendeu à plataforma o ótimo “Tudo Bem no Natal Que Vem” e provavelmente renderá mais filmes como “Vizinhos”, um filme voltado para os consumidores dessas comédias e que pouco se esforça para furar essa bolha, e não há nada de errado nisso.
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