Ao final da terceira temporada de “Você”, Joe (Penn Badgley) deixou tudo para trás para recomeçar em outro país. Agora em Londres, conhecido como o professor Johnathan Moore, e “livre” da família, já que matou a esposa e abandonou o filho recém-nascido, Joe se transformou em um professor universitário especialista em contos da literatura estadunidense. A ironia da quarta temporada, cuja primeira parte chegou nesta quinta (9) à Netflix (a segunda parte chega em 9 de março), é justamente colocar o serial killer em meio ao que ele odeia: jovens milionários que não fizeram nada para isso.
A mudança de país não é a única novidade da quarta temporada da série. Segundo o processo de apostar no carisma do personagem e trazê-lo para próximo do espectador como uma espécie de anti-herói, o texto agora o coloca em uma posição diferente - ele não mais é um voyeur obcecado por alguma mulher inocente, pelo contrário, cabe a ele descobrir a identidade de um assassino de milionários que cercam Joe em Oxford. Ah, o assassino também sabe tudo sobre o passado do protagonista.
É muito interessante como “Você” troca de ambientes e se reconstrói com facilidade; do ambiente urbano da primeira temporada, para a ensolarada e liberal Los Angeles, no segundo ano, antes de rumar para a vida suburbana da terceira leva, todos criam novas possibilidades narrativas. Nesto ponto, Londres é ótima ao colocar Joe em meio a famílias tradicionais, dinheiro “antigo” e, principalmente, seus descendentes. O elenco de apoio funciona bem, com destaque para Kate (Charlotte Ritchie), que ganha profundidade que leva a personagem além da construção inicial, e Lady Phoebe (Tilly Keeper), parte da família real, mas uma pessoa bem mais agradável do que se poderia imaginar, com um ótimo senso de humor. Em contraposição a ambas, nascidas em famílias ricas, o texto introduz Rhys (Ed Speleers), talvez o único filho da classe operária em Oxford.
Conforme costume na série, os coadjuvantes se situam no limite da caricatura, mas a divisão da temporada em duas partes torna tudo menos cansativo, deixando a piada próxima do fim, mas ainda com graça. A ausência de Love Quinn (Victoria Pedretti) é inicialmente muito sentida tanto por Joe quanto pela série - era ela o ponto de equilíbrio de “Você” -, mas a série se reinventa justamente para lidar com essa perda.
Com Joe como alvo e com crimes convergindo a seu redor, “Você” tem nova dinâmica. A narração continua, mas ela agora funciona de maneira diferente, não mais idealizando uma mulher, mas quase questionando esse novo assassino que pretende acabar com o disfarce de Joe e, talvez o que gere maior incômodo, levá-lo a matar novamente.
A novidade coloca a série na linha das narrativas recentes “eat the rich”, destaque em filmes como “O Menu”, “Triângulo da Tristeza”, “Parasita” e “Glass Onion”, e séries como “White Lotus” e “Succession”. A grande questão, para Joe, é perceber que ele não é único, que existe alguém capaz de replicar seu modus operandi, seu “talento”, mas que não o faz por amor.
Os cinco episódios têm estrutura de “whodunit”, com uma busca pelo assassino enquanto o protagonista busca se estabelecer na nova vida. Nessa primeira parte da quarta temporada, porém, “Você” não entrega uma recompensa satisfatória ao espectador, o que provavelmente será resolvido com os episódios finais, daqui a um mês. Ainda assim, mesmo sem ser brilhante e dependendo muito da exposição para preparar terreno para o fim da temporada, “Você” é boa ao se reinventar mais uma vez.
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