“Warrior Nun”, da Netflix, é uma série interessante, não necessariamente num bom sentido. Me acompanhe. Baseada nos quadrinhos “Warrior Nun Areala”, de Ben Dunn, a série opta por expandir o universo da HQ logo de cara, apresentando uma nova protagonista, Ava (Alba Baptista), em uma espécie de passagem de bastão - sai a irmã Shannon e entra Ava.
A escolha pela troca é compreensível. Com Ava, a narrativa ganha a novata, o olhar de quem, como o espectador, desconhece tudo o que é apresentado em tela. Assim, vamos aos poucos conhecendo e Ordem da Espada Cruciforme, suas freiras guerreiras, motivações e questionamentos. Entendemos que elas protegem o mundo dos demônios, mas não entendemos ao certo que demônios seriam esses. O público, assim como Ava, fica um pouco perdido no meio de uma batalha entre Céu e Inferno que já dura séculos.
Em contrapartida, a mudança deixa a série mais séria. Shannon, nos quadrinhos, tem um braço robótico e uma poderosa armadura que a transforma na freira guerreira Areala, além de uma postura e um visual sexy demais para uma freira, coisas dos anos 1990. Ava, por sua vez, é tudo o que a Shannon dos quadrinhos não é. Pra início de conversa ela não é uma freira, mas uma jovem órfã tetraplégica morta que, por acaso ou não, recebe a auréola do anjo Adriel, o artefato mais precioso da Ordem da Espada Cruciforme. Ela se levanta e sai andando pela bela região da Andaluzia, na Espanha, e se torna alvo de busca tanto das freiras quanto dos demoníacos inimigos.
Essa dinâmica oferece à série uma jornada de descobertas. É interessante ver Ava descobrindo o mundo, fazendo amizades e tentando ser uma jovem normal. Acontece que “Warrior Nun” é uma jornada do herói de estrutura clássica, então, mesmo relutante, a jovem acaba cedendo ao chamado do destino para enfrentar o mal que ameaça a humanidade. É justamente nesse ponto, também, que a série tropeça.
Durante 10 episódios de cerca de 45 minutos, há muita conversa e pouca ação. O problema é que essas conversas raramente levam a algum lugar - as possibilidades mais interessantes levantadas pelo roteiro são deixadas para uma segunda temporada (ainda não confirmada). A série levanta uma discussão sobre limites éticos dos avanços tecnológicos e aborda o embate entre ciência e religião, mas não avança. Tudo bem que uma discussão aprofundada não era esperada em uma série sobre freiras guerreiras, mas as lutas e a diversão prometidas também não dão as caras com a frequência desejada.
Há alguns ensaios em sequências protagonizadas pela irmã Beatrice (Kristina Tonteri-Young) e em um ou outro momento com Lilith (Lorena Andrea) e Shotgun Mary (Toya Turner), mas todos os momentos se resolvem rapidamente, o que é uma pena, pois, ao contrário do que acontece em “Hanna”, os realizadores de “Warrior Nun” sabem filmar bem as lutas e suas boas coreografias.
“Warrior Nun” ainda faz uma escolha covarde de deixar que tudo se resolva nos dois episódios finais, quando a tal “jornada do herói” finalmente engrena após oito episódios de idas e vindas nem sempre necessárias. Dessa forma, quando a grande e até bem interessante trama finalmente se revela, resta pouco tempo para trabalhá-la, criando um ótimo gancho para uma segunda leva de episódios, mas deixando no espectador a sensação de que foi enrolado por metade de uma temporada.
Ao fim, a série é razoável - tem uma boa história, um elenco interessante, localidades incríveis na Espanha e uma mitologia aparentemente ampla. A escolha de praticamente dar sequência aos quadrinhos ao invés de adaptá-los funciona e exclui da série toda a pegada noventista ultrapassada (estética e narrativamente) das revistas. O único problema de “Warrior Nun” é se levar a sério demais e, por vezes, esquecer todo o absurdo de sua premissa e a diversão que ela poderia proporcionar.
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