Carismático e boa praça, Dave Grohl se tornou o cara mais legal do rock mundial e parece ter entendido que com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. O líder do Foo Fighters consegue misturar mundos distintos, transitando tanto no rock mainstream, de grandes estádios, quanto no mundo punk/hardcore/indie, de onde estourou com o Nirvana na década de 1990.
Inquieto, Grohl está sempre procurando o que fazer. Não é à toa que ele dirigiu 16 clipes do Foo Fighters e tem se aventurado na direção de documentários sobre música, sempre dando um jeitinho, claro, de mostrar o quanto é gente boa e simples. Depois de “Sound City” (2013) e da série “Sonic Highways” (2014), que acompanha a produção do disco homônimo indo em diversas cidades americanas encontrar músicos importantes, Grohl agora lança “What Drives Us”, disponível no Amazon Prime Vídeo.
A ideia inicial do filme era contar histórias de turnês feitas em vans, coisas da cabeça de Dave Grohl, que comprou e ainda dirige a primeira van na qual fez uma turnê, com a banda punk Scream, no final da década de 1980. É curioso ver como o documentário se deixa levar pelas histórias de início de carreira dos músicos.
É no trânsito de Grohl por mundos diferentes que “What Drives Us” tem seu charme. Fazendo o papel de entrevistador e narrador, o músico vai de nomes como o beatle Ringo Starr, Lars Ulrich, do Metallica, ou The Edge, do U2, a alguns dos pioneiros das turnês de vans nos EUA, nomes da cena punk/hardcore dos anos 80 como Ian MacKaye (Fugazi/Minor Threat), Kira Roessler (Black Flag) e Mike Watt (Minutemen). Há espaço também para duas bandas novas, RadKey e Starcrawler, em seus primeiros registros de turnês em vans.
O filme tem um clima de cumplicidade que talvez só quem tenha vivido algo similar ao que eles contam seja capaz de entender. O carisma de Grohl é essencial para que até o entrevistado mais difícil se abra como numa conversa entre amigos, entre pares. Assim, a história pode ser de MacKaye ou Steven Tyler (Aerosmith), mas é algo compartilhado por todos. Grohl entende isso e surpreendentemente entende que o filme não é sobre ele, mesmo que existam momentos dedicados ao Foo Fighters e ao Scream.
Gradualmente, a narrativa escolhe caminhos a serem seguidos. A possibilidade de fazer turnês em uma van logo se transforma na formação do caráter do músico e em algumas histórias mais pesadas, como a de D. H. Peligro (Dead Kennedys/Red Hot Chili Peppers), que sucumbiu ao álcool e às drogas. Os Chili Peppers também têm destaque com os depoimentos do baixista Flea, sempre uma figura interessante.
É interessante notar algumas peculiaridades do filme, a principal delas é como as bandas americanas parecem ter vivido mais esse tipo de turnês. O próprio Ringo Starr conta que os Beatles iam tocar pela Inglaterra em uma van, mas sempre voltavam para a casa após os shows; Brian Johnson, do AC/DC, e The Edge também não têm tantas histórias da estrada. Em contraposição, os americanos relatam turnês de dois meses em uma van, cruzando o país inteiro - algo que também aconteceu na cena independente do Brasil nos anos 1990 e no início dos anos 2000.
Para quebrar um pouco o universo muito masculino que é o mundo do rock, Grohl dá voz à lendária Exena Cervenka (X), St. Vincent, Jennifer Finch (L7) e a já citada Kira Roessler, do Black Flag - o assunto é o mesmo, sem diferenciação, indo das dificuldades da estradas a flatulências - "Você sabia que os Beatles também peidavam na van?", questiona Grohl a St. Vincent.
Com um material tão bacana em mãos, é necessário ressaltar o desprezo da Amazon com ele. As legendas em português, que só existem com a opção de descrição, são inaceitáveis. Algumas falas sem legendas, outras não traduzidas são resultado de uma legenda feita a partir de uma transcrição automática do texto em inglês e posteriormente traduzida automaticamente por uma ferramenta de tradução da internet, sem o menor cuidado ou revisão alguma. A tradução literal muda sentido de depoimentos e torna outros sem sentido algum.
Por exemplo: quando Tony Kanal, do No Doubt, diz “When i got in Doubt”, a legenda mostra “quando eu entrei sem dúvida”. Há erros de nomes de entrevistados, na grafia de cidades e em nomes de bandas. A legenda torna o filme inassistível para quem não tem boa compreensão do inglês, o que é uma pena e um desrespeito do Amazon Prime com seus assinantes.
Ainda assim, “What Drives Us” é um excelente filme sobre a vivência do rock e o que move os músicos. O filme ensaia falar sobre o não surgimento de novas bandas, mas nunca se aprofunda no tema que, por si só, renderia um novo filme. É bonito ver a paixão com a qual todos os entrevistados, alguns que hoje passam bem longe das vans, falam sobre as lembranças e sobre os perrengues pelos quais já passaram. É como Ringo Starr diz: "Se você quer chegar a algum lugar nesse mundo, entre numa van".
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