“Como será? / Como será? Daqui para o ano 2000 / Como será? O nosso querido Brasil / Como será? O morro sem os barracões” (“Como será / Ano 2000”, Padeirinho)
Caramba, já estamos em ¼ deste século!
Como arquiteto, lembro bem que a década de 1990 foi de intensas transformações, não só na linguagem da arquitetura, cheia de novas experimentações, mas também na visão que se tinha para as cidades. Era um período em que se buscava novas formas urbanas para o milênio que estava por vir.
Cabe lembrar que o pós-modernismo já havia se esgotado como tentativa de renovação na produção arquitetônica-urbanística, após o fracasso da utopia do modernismo da primeira metade do século XX.
As novas tecnologias informacionais e de comunicação – afinal os anos 90 foram o período no qual a internet e o telefone celular se popularizaram e se mostraram como parâmetros para uma nova etapa no desenvolvimento tecnológico a serviço da sociedade – trouxeram novos conceitos a serem aplicados à vida urbana, com as cidades como suporte físico idôneo para a “virada de chave”.
Filósofos, como Gilles Lipovetsky em seu livro “Os Tempos Hipermodernos” (2004), mas principalmente a literatura e o cinema fizeram deste tema o foco de suas abordagens, muitas vezes polêmicas, mas também sugerindo possíveis consequências desse processo tanto social quanto urbano.
Mas se a filosofia apenas busca refletir sobre o mundo em que vivemos, os escritores e cineastas, buscando cativar seu público, acabam criando um cenário muitas vezes catastrófico, a partir das possíveis decisões “equivocadas” tomadas hoje pela sociedade contemporânea.
O fato é que nunca dá pra ter certeza...
Mas também é fato que as cidades pouco mudaram para melhor ao longo desses primeiros 25 anos do século XXI, notadamente em locais como o Brasil.
Um exemplo é o trânsito. Nossos carros são, tecnologicamente, muito superiores aos de décadas atrás, com motores mais possantes e econômicos. Isso, porém, não significa que a mobilidade de quem faz uso do automóvel seja melhor. O que não falta são engarrafamentos, e esse é um problema que vale para qualquer cidade, média ou grande. Portanto, de que adianta ter um carro rápido e sofisticado se ele ficará parado entre outros tantos veículos no meio da rua?
Ainda sobre o trânsito, porém sob outro viés: em todo o país as cidades cresceram, e com isso temos mais vias públicas urbanizadas. Contudo, a imensa maioria delas é configurada para o trânsito de veículos automotores, como se pedestres, ciclistas e, principalmente, pessoas com mobilidade reduzida (tais como idosos e cadeirantes) não existissem.
E tal situação ocorre apesar da Lei nº 10.098 (publicada justamente no ano 2000, ou seja, na virada do milênio) tratar do assunto. É o que diz, por exemplo, o artigo 3º desta lei: “O planejamento e a urbanização das vias públicas, dos parques e dos demais espaços de uso público deverão ser concebidos e executados de forma a torná-los acessíveis para todas as pessoas, inclusive para aquelas com deficiência ou com mobilidade reduzida”.
A questão do saneamento é outro imbróglio das cidades brasileiras. É certo que houve avanços, tanto na distribuição de água como na coleta de esgoto e recolhimento de lixo. Mas ainda estamos muito longe do aceitável. Na verdade, parece que estamos com dois séculos de atraso com relação ao saneamento.
Um item que também é alarmante é o percentual da população exposta aos riscos de inundações, enxurradas e deslizamentos. Mesmo no Espírito Santo, um estado na 7ª posição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre os demais entes federados, cidades como Vila Velha possuem mais de 33 mil pessoas nesta situação, enquanto que no município da Serra este número sobe para mais de 132 mil pessoas, ou seja, aproximadamente ¼ da sua população.
Por outro lado, Barramares em Vila Velha é a maior favela do Espírito Santo, com 9,2 mil moradores, e, em seguida, estão Novo Horizonte e Vila Nova de Colares, ambas na Serra, e com 8,8 mil moradores cada.
João Nogueira cantava perguntando se no ano 2000 o morro ainda teria barracões, e o que vemos é que 25 anos depois pouca coisa mudou.
Em janeiro começou um novo ciclo administrativo para prefeitos e vereadores. Que os próximos quatro anos sejam profícuos e que eles tenham sabedoria para lidar com tantos problemas que afligem nossas cidades!
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