Segundo o famoso urbanista Jan Gehl, autor do livro “Cidades para Pessoas”, “apesar de ser verdade que as pessoas saem de casa por um motivo racional, em muitas situações, a razão real para escolher o espaço público é simplesmente estar lá – em outras palavras, ver e ser visto”. E o espaço público a que ele se refere são principalmente as praças das cidades.
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Só que a fala de Gehl vem de sua experiência europeia, afinal se trata de alguém nascido e formado na Dinamarca, e cujas pesquisas acadêmicas que o fizeram ser renomado tiveram início na capital Copenhague. E, como se sabe, na Europa, as cidades passam a maior parte do tempo sob um clima frio, muitas delas até com neve, o que esvazia os espaços públicos, principalmente as praças, afastando aquelas pessoas que gostariam de ocupar tais lugares para poder realizar atividades ao ar livre, inclusive o “ver e ser visto”.
Bem ao contrário do Brasil, onde, com o nosso clima tropical, podemos apreciar o convívio comunitário, praticar esportes, estar ao livre em contato com plantas, terra, insetos, pássaros, enfim, elementos que fazem parte do ambiente de parques e praças públicos praticamente durante todo o ano.
É até comum que praças europeias - como as famosas Plaza Mayor, em Madrid; Piazza del Campo, em Siena; Alexanderplatz, em Berlim; ou Piazza Navona, em Roma - nem sequer tenham árvores, afinal ali querem que os raios de sol não sejam obstruídos e impedidos de aquecer o espaço. Já no Brasil é bem o contrário: nossas praças possuem frondosas árvores, que não só embelezam o espaço, trazem um pouco de natureza para o duro ambiente urbano, como também proporcionam um microclima que nos conforta, tornando o lugar mais aprazível para que assim possamos desfrutá-lo em sua plenitude.
Nossas praças foram sendo os locais onde as festas de bairros, muitas delas em homenagens a santos católicos, eram realizadas, ainda que tenham adquirido feições próprias ao longo do tempo e de acordo com cada realidade regional. No passado, era comum a existência de coretos nas praças, algo que já não tem muito sentido para as gerações atuais. Fontes e estátuas de algum herói militar tampouco são presentes nas novas praças, ainda que muitas cidades brasileiras com áreas históricas bem conservadas possuam praças com tal tipo de concepção. Era outra época.
Hoje o que vemos são quadras poliesportivas, parquinhos infantis e, algo bem da moda, os food trucks.
Em locais públicos, como são as praças, quadras poliesportivas são locais para a prática de esportes, mas principalmente para que tal atividade seja feita de modo divertido. Se, por acaso, ali despontar algum talento, o normal é que ele ou ela acabe indo praticar o esporte numa equipe oficial, com todo o apoio institucional para que possa evoluir como desportista.
Já os parquinhos, como todos sabem, são locais para as crianças brincarem, se socializarem, criarem anticorpos. Mover o corpo, rir e até chorar, sempre sob a supervisão de algum responsável.
Muitos urbanistas sempre defenderam a existência de praças públicas em grupos de bairros ou até em cada bairro, como meio de agregação social e fortalecimento de vínculos comunitários, que no caso brasileiro se estende a um processo de pacificação, haja vista o alto índice de violência urbana pelo qual passa o país há décadas e que, aparentemente, só vem se intensificando.
Por outro lado, boa parte da classe média brasileira vem morando cada vez mais em condomínios multifamiliares, onde as famílias já dispõem de quadras poliesportivas e parquinhos infantis. A opção pelos condomínios multifamiliares são muitas, mas entre elas está a da violência urbana.
Como se sabe, grande parte da violência urbana é causada pelo tráfico de drogas. E o tráfico só existe, claro, por causa do consumo de droga. Com tudo isso, as praças agora começam a ser ocupadas por usuários e traficantes de drogas, tornam-se lugar de violência, de ajuste de contas entre gangues.
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Por conta disso, já há quem defenda retirar as árvores das praças para facilitar o monitoramento ou até mesmo acabar com as praças. Propostas radicais que nada resolvem. De qualquer modo, trata-se de um enorme desafio para as administrações públicas: fazer da praça novamente um lugar para que as pessoas queiram “simplesmente estar lá”.
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