Taynã Feitosa é sommelière e cervejeira apaixonada por uma boa cerveja e suas infinitas possibilidades. Também é jornalista e mercadóloga

Por que cerveja puro malte é, na verdade, puro marketing?

Entenda o que está por trás do termo adotado pela grande indústria cervejeira e sua verdadeira relação com a qualidade da bebida

Publicado em 11/02/2022 às 02h01

"Eu só bebo cerveja puro malte!", disse aquele entusiasta de cerveja. Você já deve ter ouvido essa frase por aí em referência à qualidade da bebida. Mas, trago notícias: o termo "puro malte", é, na verdade, puro marketing.

Para uma cerveja ser denominada puro malte nas leis brasileiras, de acordo com o decreto nº 6.871 de 2009, ela deve ter, na parte dos grãos de sua composição, 100% de malte de cevada como fonte de açúcares. Ou seja: não deve conter nenhum outro cereal em sua fórmula. 

Por exemplo: uma Weissbier que contenha malte de cevada e malte de trigo na receita não é considerada puro malte pelas nossas leis. O mesmo vale para cervejas com malte de centeio, malte de aveia e qualquer outro grão maltado.

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O termo "puro malte" não é necessariamente sinônimo de qualidade. Crédito: Divulgação

No entanto, a qualidade da cerveja não é consequência da presença de malte de cevada ou de qualquer outro ingrediente isolado. Em muitos estilos de cervejas das escolas belga, alemã e inglesa, por exemplo, o uso de cereais não maltados é imprescindível para trazer características determinantes de um estilo, bem como sabores, sensações e complexidade.

Uma boa Witbier, por exemplo, leva em sua composição flocos de trigo ou malte do mesmo cereal. Para dar mais corpo e suavidade a uma cerveja, é comum também adicionar aveia, ingrediente muito usado nas tradicionais Stouts inglesas.

O que acontece no Brasil é que a grande indústria cervejeira usa cereais não maltados (ou xarope de maltose extraído desses grãos) como substituição de parte do malte de cevada em suas receitas. Com isso, cria cervejas mais leves, aumenta a produção e reduz custos, já que a produção de malte de cevada no país não supre o mercado interno.

Taynã Feitosa

Sommelière

"A utilização desses grãos da maneira como é feita pela indústria de massa compromete o resultado final, e isso acabou tornando mais fácil a popularização do enfadonho termo 'puro malte'."

Outro agravante que compromete a qualidade das cervejas comerciais (puro malte ou não!) é a aceleração de processos como a fermentação e a maturação por meio de compostos químicos. Não é difícil ver grandes fabricantes produzindo milhões de litros de cerveja em uma semana ou menos.

ADJUNTOS CERVEJEIROS

Para nossas leis, adjuntos cervejeiros são todos os ingredientes adicionados à cerveja que não sejam água, malte, lúpulo e levedura. Nessa lista entram frutas, legumes, condimentos, extratos e, claro, os cereais não maltados. Para ser chamada de cerveja, uma bebida "made in brazil" pode ter até 45% de adjuntos (no caso, cereais) em substituição do malte de cevada.

Uma cerveja de excelência não é, necessariamente, puro malte. E uma cerveja puro malte pode ter um (ou muitos) aditivos químicos. Para muitas cervejas, principalmente as produzidas em grande escala, os aditivos que ajudam na conservação (aqui não falo dos aceleradores, hein!) são necessários, visto que a bebida é sensível e viaja o mundo inteiro.

Portanto, antes de bradar que uma cerveja para ser boa tem que ser puro malte, leia seu rótulo e procure saber o que você está bebendo.

E lembre-se: a cerveja local tende a ser natural. Os aditivos trazem beleza, nuances, sabores e experiências à bebida. Pense nisso e dê prioridade ao que é produzido nos arredores - com qualidade, é claro. 

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Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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