"Lesei financeiramente uma amiga próxima e durante muito tempo não me importei com isso, mas sofri uma decepção recente e estou sentindo uma culpa gigantesca! Como me livro dela? C."
Fico muito contente com sua questão e, provavelmente, o que será dito por mim irá na contramão de toda cultura contemporânea. É preciso frisar: trata-se de uma cultura fundada em bem-estar e aparência, entretanto, sem qualquer solidez para nos oferecer subterfúgios ou ferramentas funcionais para lidarmos com a realidade.
Cara leitora, por que acha que não se importou? Sim, perguntas são os mais confiáveis pontos de partida, porque quando bem feitas elas desarmam nosso maior inimigo interior: o ego. Ele, minha amiga, é tudo o que queríamos que fôssemos, e somos para parecer ser.
Pessoas que lesam outras, especialmente em transações financeiras tensas, não sentem este "remorso" moral. Elas têm suas desculpas na ponta da língua e dentro de seus corações. Fazem questão de seletivamente escolher fatos justificadores onde interpretam terem sido lesadas, em lugar de assumir os prejuízos que causaram. Será raríssimo você encontrar gente admitindo culpa nesses casos que envolvem "grana".
Por isso eu excluí do meu vocabulário o termo "desculpa", porque sendo nós filhos do tempo, temos a possibilidade de revertermos nossos erros com ações diametralmente opostas sobre eles. Ou, ainda, quando os erros são irreversíveis, resignados, só podemos recorrer ao perdão na garantia de que, querendo nós ou não, tudo passa!
Também sou obrigado a lhe perguntar: realmente está sentindo culpa ou só um rebote empático? Sabe... quando a gente sente uma coisa e lembra que já fez sentir, isso faz a gente ver que sofrer uma decepção é sofrer realmente uma dor. Não se trata de um "piti", de gente emocionalmente fraca, como quando pensamos, mas estamos emocionalmente confortáveis.
Fundando nisso, minha amiga, é que não me soa culpa o que está sentido, porque a culpa, ao contrário do que a pós-modernidade diz, é uma força capaz de transformar monstros em santos por uma total conversão existencial. Já o remorso, este nada faz além de nos tornar inaptos a nos movermos em direção à solução dos problemas, alimentando pena por nós mesmos.
No seu caso, cara leitora, você não deve se livrar da culpa, deve usá-la como uma força que te conduza a viver diferente do que vem vivendo. A culpa real te garante a convicção do que é errado. Provavelmente está cheia de desculpa de natureza infantil e egoísta para justificar seus erros para com os outros e, caso não saiba, cedo ou tarde pode precisar de quem já lesou.
Esta segurança falsa que sentia, nada mais era do que o narcisismo psicológico da nossa era, onde tudo e todos dizem que o que importa é ser feliz. Só não dizem que a felicidade do gozo dura menos que os problemas que as escolhas irresponsáveis trazem! Então, minha amiga, abrace sua culpa e mude sua vida, porque muito pior que errar uma vez é ter certeza que nunca errou.
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