A luta de mulheres ao longo da história é um marco e colocou o feminismo como urgência mundial, mas de sobremaneira na América Latina e no Brasil.
Cabe relembrar que não é todo feminismo que liberta, emancipa e acolhe. E, sabendo disso, cumpre ressaltar que não é possível que “nosso” feminismo deixe corpos pelo caminho. É preciso saber que não há liberdade possível se a maioria das mulheres não couber nele. Enquanto uma mulher branca e de classe abastada precisar deixar uma mulher negra em sua cozinha, a questão não estará equacionada.
O dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra, Latina e Caribenha, relembra o marco internacional de luta e resistência da mulher negra para reafirmar a necessidade de enfrentar questões sociais, econômicas e políticas fundantes, ainda hoje, por mulheres que sofrem com a discriminação racial, social e de gênero.
No Brasil, a data também presta uma homenagem a Tereza de Benguela. Liderança quilombola, exemplo de força e de organização para milhares de mulheres que sobrevivem à dura realidade e ao legado violador da colonização.
As marcas dos 400 anos de colonialismo e de escravização ainda perpetuam na vida e corpos das mulheres negras, que compõem o grupo mais vulnerável da sociedade. De acordo com o Dieese (2021), “o desemprego entre as mulheres negras é o dobro do que entre os homens brancos. Elas ainda possuem os piores salários e os trabalhos mais precários”.
Teóricas do feminismo negro, latino, caribenho e terceiro-mundista têm apresentado posição de desconstrução e desconfiança, que causa desconforto, mas imprescindível é contra o espelhamento de um feminismo branco, cis, classe média, preso à visão eurocêntrica e universalizante das mulheres.
Remeter a luta das mulheres somente, e de forma primeva, às sufragistas e à luta pelo voto feminino é um equívoco redutor incomensurável.
É preciso reconhecer que há muito trabalho exercido por uma “dona de casa”, que não possui remuneração ou folga. Que a luta pela inserção no mercado de trabalho com garantia de direitos é para uma elite branca, pois a mulher negra sempre esteve na base do trabalho da sociedade brasileira, sob o modelo exploratório full time, dia e noite, cama e mesa. Que a luta pelo direito à herança, ao divórcio e à guarda do filho também é quase privativo das mulheres brancas. Bem como viajar sozinha sem necessitar da autorização do marido, maior ocupação nas universidades, inserção na política, direitos sexuais e reprodutivos.
O dia 25 de julho nos convida a desconstruir estereótipos e papeis de uma feminilidade inventada, baseada em fraqueza, delicadeza, fragilidade e passividade, que fundamenta a frase de “bela, recatada e do lar” acatada, infelizmente, por muitas mulheres.
Como bem enfatiza Maria Lugones, socióloga argentina, “um feminismo decolonial não nos oferece apenas ferramentas para a análise da opressão vivida pelas mulheres subalternizadas pelas estruturas coloniais violentas, processos de racialização, exploração capitalista e adequação forçada à heternormatividade, mas uma maneira de possibilitar a compreensão das próprias mulheres sobre suas situações de vida 'sem sucumbir a elas'”.
Reconhecer e praticar o feminismo decolonial possibilita a superação da colonialidade dos gêneros, demandando um processo de aprendizado sobre a Outra e suas subjetividades, ao invés de uma análise distante e unilateral que a coloque presa ao lócus de subalternidade.
Se assim não for, estaremos reproduzindo um sistema de vencedoras e vencidas, e ainda com a narrativa cínica de equidade e sororidade. É preciso que comecemos a desconstrução em nossas casas, trabalhos e vidas, no eixo sala de estar-cozinha, que consiste na atualização da casa grande-senzala.
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