Esta semana termina com a celebração de uma das maiores festas do mundo. A celebração de memória do nascimento de Jesus Cristo, embora com indicativo histórico teológico deslocado, para o dia 25 de dezembro, festa de tradição cristã, caracteriza-se por reuniões familiares e afetivas, encontros e reconciliações, permeados por momentos de reflexões e avaliações de processos de vida.
Em um mundo em que o capital virou sujeito e o ser humano objeto, a festa de tradição judaico-cristã é capturada pelo consumismo e marketing exagerado. Todo o significado e significante de um tempo tão cheio de representações que acabam esvaziando-se do real sentido. Constitui-se dessa forma em um “tempo de vazios”, ao invés de um “tempo de cheios”, na melhor leitura de Manoel de Barros.
Todo o entorno das festividades de final de ano: confraternização de trabalho, almoço de família, 13º salário, troca de presentes e comemorações escolares, dentre outros, somente faz sentido para uma parte da população que durante o ano todo possui, trabalho, família, salário, estudo e recursos.
Há uma parte significativa da população mundial, cerca de um décimo, de acordo com Relatório das Nações Unidas, que passam fome e não tem acesso ao mínimo para viver com dignidade, sobrevivendo às asperezas cotidianas, com agravamento dramático neste segundo ano da pandemia. Para essas 800 milhões de pessoas, o Natal passa ao largo de ser um tempo de alegria, considerando que batalha diária é pela vida nua.
Mesmo diante de números tão assombrosos e de uma realidade violadora, os enfrentamentos a essas questões sempre são adiados, podendo ser deixadas para o momento seguinte. Para o ano seguinte. Para o tempo seguinte. A urgência de quem passa fome não é universal. A pressa de quem tem direitos violados não se coletiviza. A dor de do outro não é a minha dor, e por isso pode esperar.
Curiosamente, é um tempo em que a solidariedade parece aflorar do espírito humano, como se somente no final de ano as pessoas em situação de vulnerabilidade tivessem necessidade de comer e vestir. A celebração com sobras e com piedade humana é bem diferente quando celebramos a partir da efetivação de direitos fundamentais. A partilha acontece com aquilo que eu não mais quero, o que não me faz falta.
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Enquanto as condições para que as pessoas tenham acesso aos direitos e serviços básicos para o bem viver forem desiguais, celebrar uma festa universal, com o significante do nascimento de um Menino que veio trazer a mais desafiadora mensagem para a humanidade, mesmo que de forma diferente respeitando a crença de cada pessoa, não terá o valor e sabor que deveria ter.
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