Era com o objetivo de escrever um livro que teria o título “Coma salvar a Amazônia? ” que o jornalista britânico Dom Phillips, acompanhado pelo indigenista Bruno Pereira Araújo, embrenhou-se na maior floresta do mundo.
O indigenista, em mais uma expedição pela vida da floresta e dos povos que fazem dela sua morada, chegou à área, que era velha conhecida sua, antecipadamente para colher informações acerca da situação atual, no sentido de pensar estratégias para proteger o território. Ofício que desenvolvia com maestria, que o tornara um dos maiores conhecedores do tema.
Uma área com mais de cinco milhões de quilômetros quadrados, coberta por uma floresta latifoliada úmida, representando mais da metade das florestas tropicais sobreviventes do planeta, composta pela maior biodiversidade do mundo, território de fronteira, faz-se cenário de grandes disputas e contundentes violações de direitos humanos.
Os povos tradicionais locais e os que se colocam na defesa desses são constantemente ameaçados por garimpeiros, pescadores ilegais, madeireiros e traficantes de drogas, que tentam fazer da floresta um meio de lucrar, em detrimento à destruição que coloca em risco o presente e o futuro da humanidade.
Importante ressaltar que não são ameaças entre pessoas físicas, mas de grandes grupos e empreendimentos que dilapidam um patrimônio global e não possuem limites para suas ações, contando com o silêncio conivente dos poderes constituídos, que infelizmente fazem pouco ou nada para coibir as ações contra comunidades locais.
A situação assistida por nós e vivenciada pelos povos que habitam a floresta não é novidade. Em 1988, em Xapuri (AC), Chico Mendes foi assassinado pelo fato de lutar a favor da preservação da Bacia Amazônica. Em 2005, Dorothy Stang foi alvejada com disparos que ceifaram sua vida, em Anapu (PA), pelo fato de se colocar ao lado dos povos amazônicos contra os fazendeiros locais. Outros tantos deram sua vida na defesa da floresta e adubaram com seu sangue a terra que defenderam.
As narrativas para colocar o Brasil na prateleira do mercado internacional apresentam a floresta e suas belezas naturais. Entretanto, essa beleza não pode acobertar estruturas sociais e de poder que se entrelaçam e que tornam a Amazônia um local perigoso. As demandas urgentes que o território amazônico apresenta ao mundo se constituem um desafio para o Brasil, considerando o histórico de ameaças e assassinatos dos defensores de direitos humanos, em um conflito que emerge das diferenças de modos de vida, inserido na disputa entre o capital e a vida.
Quando se forja um imaginário sobre a Amazônia, os conflitos são dissimulados pelos discursos oficiais de primeiro escalão, de forma disruptiva, apresentando uma natureza bela, grandiosa e intocável, mas sonegando a informação que a maior ameaça sofrida pela floresta e seus habitantes vem justamente daqueles que deveriam proteger.
O relatório “Defender o amanhã”, da ONG Global Witness, revelou recorde no assassinato de defensores do meio ambiente e da terra em todo o mundo, sendo mais de dois terços deles ocorridos na América Latina, e nove em cada dez assassinatos ocorreram na Amazônia, estando a população indígena entre a mais exposta.
Contra essa estrutura de poder Bruno e Dom se colocaram, na defesa da vida e da floresta. Ambos não concluíram o roteiro que tinham traçado, mas certamente chamaram a atenção para um dos graves problemas do Brasil, que ceifa a vida de dezenas de pessoas e mantém o território amazônico em permanente estado de alerta.
A pergunta-título do livro de Dom, “Como salvar a Amazônia? ”, coloca-se agora para todos nós que temos compromisso com o legado deles e dos outros que os antecederam. Mais do que cobrar pela responsabilização dos executores, é lutar para a responsabilização daqueles que autorizam as mortes, por meio de omissões, inércias e práticas.
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