O assunto abordado hoje é extremamente delicado, mas precisamos falar sobre abuso sexual infantil. A sexualidade em qualquer idade é ainda tabu, seu rótulo repressivo supõem-se ser legado de duas grandes rupturas do século XVII e XX. Privatizada, a sexualidade foi colocada em lugar chancelado como tema proibido: entre casais hétero formais, em ambiente fechado, sem ruídos e para fins de procriação. O que desvia disso é considerado errado e impuro. Os rótulos panópticos araram o terreno para brotar violações deletérias irreversíveis, que ao serem silenciadas nos corpos, produzem doenças e marcam a vida das pessoas para sempre.
Falar sobre sexualidade de forma saudável e responsável é o caminho para afastar muitos episódios que se caracterizam como violência sexual, principalmente, a infantil. O abusador não é um forasteiro. O abusador tem perfil traçado: pessoa próxima, de confiança, que se aproxima aos poucos e de forma sorrateira. De acordo com o disque 100, quase 80% das denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes tem uma característica alarmante, o número significativo de agressores é familiar da vítima.
No Brasil, é ainda muito incipiente a disponibilização de dados para mensurar o tamanho real do fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes, devido à falta de integração dos órgãos responsáveis, despadronização dos dados coletados e a subnotificação. Estima-se que apenas 10% dos casos de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes sejam, de fato, notificados às autoridades. Entre 2011 e 2017, em 92% das denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, as vítimas eram do sexo feminino. Essa estatística é similar a divulgada pelo Ministério da Saúde, que registrou 85% das denúncias de violência sexual contra meninas.
Entre os 66 mil casos de violência sexual registrados em 2018, 54% das vítimas tinham até 13 anos, de acordo com o 13º Anuário de Segurança Pública do FBSP. Quase 90% dos casos desse tipo de violência contra crianças e adolescentes são registrados no ambiente familiar. Quadra registrar a violência sexual infantil é democrática, ocorre em todas as classes sociais, sendo silenciadas.
O debate é fundamental para que nossas crianças cresçam em um ambiente seguro e saudável. Uma educação emancipatória só é possível se levarmos em conta todas as dimensões do ser humano. Por vezes, debates como esse são negados, e deixa-se de ajudar crianças e adolescentes a tornarem-se adultos saudáveis e construtores de uma nova sociedade.
Falar sobre o problema é um passo muito importante, alertar as pessoas, informar as crianças e adolescentes, conversar nas escolas, nas famílias e nos locais de convivência. Saber que o problema existe é uma forma de proteger crianças e adolescentes, aumentando as denúncias e, consequentemente, a responsabilização dos agressores.
Falar de educação sexual e de sexualidade, com a linguagem adequada para cada faixa etária, sem antecipar descobertas e com qualidade de informação, só vai protegê-las. Fortalecer as políticas públicas, pousadas no ECRIAD, que indicam todas as ferramentas que precisamos para reafirmar o dever de todos e todas nessa questão. Essa luta tem que chegar aos espaços educativos, mas principalmente, para os adultos que carregam muitos mitos da sexualidade, que foram educados na ditadura do silêncio, que contribuiu para que a sociedade pensasse que a educação sexual é prejudicial.
Este vídeo pode te interessar
A educação e a informação precisam chegar ao público, para finalmente quebrarmos os mitos e conseguirmos recomeçar o processo de educação. Silenciar essa discussão é terreno fértil para que o Lobo abusador, possa atuar como Cordeiro com discurso de “cidadão de bem”.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.