No dia 17 de agosto, quinta-feira da semana passada, em Simões Filho, Região Metropolitana de Salvador, Maria Bernadete Pacífico, uma senhora de 72 anos, foi assassinada com vários disparos de arma de fogo, no momento em que, ao lado de três netos, assistia a televisão.
O crime de flagrante crueldade contra uma mulher negra-senhora-avó representa mais do que o noticiado pela mídia e será investigado pelo sistema de justiça e segurança. Maria Bernadete era uma das principais lideranças quilombolas e uma líder religiosa do candomblé e, em uma trama sequenciada de extermínios da população negra e defensores de direitos humanos, cotidianamente enfrentava o sistema de opressão e violação de direitos, típico de uma sociedade e estado escravocrata.
A eliminação da população quilombola e indígena tem sido uma prática diária Brasil afora, considerando que a luta que travam ameaça o status quo do sistema que não admite que são sujeitos de direitos, e não objetos. Por não admitirem mais servirem e se submeterem à subalternidade, incomodam, portanto, precisam ser eliminados. Assim como acontecia nos séculos XVI, XVII e XVIII.
O assassinato de uma mulher que enfrentava o sistema, membro da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas – Conaq, ameaçada pelo fato estar denunciando a violência que a comunidade quilombola está sofrendo, nos lembra a herança de um tempo que ainda não acabou. É a prova de que a violência e a discriminação das pessoas de pele negra são o reflexo direto de um país que se construiu por meio da normalização do preconceito e da violência para com esse povo.
Ademais, a acumulação de terras nas mãos de poucos é ameaçada pelo tensionamento das populações, principalmente a quilombola e indígena, que lutam pela sua permanência em territórios que originariamente lhes pertence. E isso incomoda.
De acordo com a Conaq, cerca de 30 lideranças quilombolas foram assassinadas em dez anos, dentro dos quilombos que lideravam, e por arma de fogo. Pelo monitoramento feito pela Conaq, o Estado da Bahia está em primeiro lugar, vindo na sequência Maranhão e Pará.
O caso de Mãe Bernadete se junta a essa estatística de sangue e dor que impinge a população negra desse país, que continua com o pensamento colonial casa-grande-senzala, não suportando a realidade de que todos são iguais em direitos e, ainda, que existe uma dívida imensa a ser quitada.
O assassinato de pessoas com a cor da pele negra não vai parar uma luta que só está começando. A conquista por terra, espaço social, postos de emprego, mesas de decisões e carteiras econômicas é um caminho sem volta. Espero que a casa-grande esteja preparada, pois a senzala sempre esteve.
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