Nos últimos dias, mais uma vez, uma sequência de episódios de violência policial no Estado de São Paulo, deixou parte da população perplexa e chamado a atenção das autoridades e organismos de direitos humanos mais uma vez. E mais uma vez, algumas autoridades que chefiam os policiais envolvidos classificaram os episódios como “caso isolado”.
Ao atribuir o episódio como “caso isolado”, cria-se uma manta de proteção que pavimenta o caminho para a impunidade e serve como autorização para continuar acontecendo “casos isolados”.
“Casos isolados” dessa natureza acontecem todos os dias em todos os cantos desse país que guarda uma herança racista, que é atualizada diariamente quando um pobre- preto é assassinado pelos agentes do Estado. E isso se agudiza a depender da mensagem de quem esteja na gestão.
No caso de São Paulo, que acumula casos de violência policial recente, no ano de 2024 houve um aumento de 46%, nas mortes pela Polícia Militar, de acordo com dados do Ministério Público, em relação a 2023. De janeiro a novembro deste ano, 673 pessoas foram mortas por policiais militares. Dessas 673 mortes, 577 foram praticadas por policiais em serviço, ou seja, trabalhando, e 96, de folga. Com esses números, temos que a PM/SP mata 2 pessoas por dia.
No primeiro domingo deste mês, um caso teve grande repercussão, quando um PM foi flagrado jogando um homem do alto de uma ponte na Zona Sul de SP. Em agosto, um policial militar deu dois tiros na cabeça de um suspeito que já estava rendido, deitado no chão, em Guarulhos. Em outubro, um soldado desferiu 11 disparos nas costas de um homem que teria furtado sabonete, no Jardim Prudência. Na última terça-feira, um major da PM/SP de folga invadiu uma adega e espancou um funcionário com pauladas.
A violência policial é classificada como o uso ilegal e ilegítimo da força ou da coação, no exercício da função estatal de segurança pública, de forma desnecessária ou excessiva contra outras pessoas. Adquirindo assim o status de violência ilegal ou ilegítima, em oposição à violência legal ou legítima, que é monopólio do Estado, sendo ação legal o uso da força para o controle da ordem pública e o cumprimento da lei.
O uso da força, quando necessário, torna-se permitida aos policiais nas ações repressivas, porém é essa permissividade, praticada por agentes despreparados, psicologicamente afetados e mal-intencionados, que desanda para a arbitrariedade, a truculência, acarretando casos de abusos e desrespeito à integridade física e a dignidade do cidadão.
O poder de uso da força legítima ou violência legal, concedido pelo Estado aos seus agentes da segurança pública, é preceito constitucional, previsto no artigo 144 da Constituição Federal de 1988, que preceitua que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio dos órgãos policiais.
A polícia representa o aparelho repressivo do Estado que tem sua atuação, quando necessária, a previsão do uso da violência legítima, de forma técnica e comedida. Nesse contexto, quando age em dissonância com sua competência, atuando arbitrariamente e usando excessivamente da força e da violência, o policial não só macula sua imagem e da corporação, como também vai de encontro ao Estado democrática de direito, onde a lei é o limite da ação.
A sequência interminável de “casos isolados” denuncia que alguma coisa está fora da ordem. Que os valores da vida humana são relativizados. Que algumas vidas valem menos do que outras. Que existem profissionais que não tem condições de atuar na rua, armado e com as pessoas na resolução de conflitos. E que, serem assassinadas duas pessoas por dia pela polícia pode se configurar como uma epidemia social, e não como “caso isolado”.
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