Um corpo carbonizado, com as mãos amarradas, em um carro incendiado. Uma denúncia anônima levou a polícia e a guarda municipal ao local do crime, na Avenida Audifax Barcelos Neves, na Serra. Somente neste ano já são pelo menos cinco casos semelhantes. A área de eucalipto e mata nativa que a margeia vem sendo utilizada por criminosos, que transformaram a via em uma região de desova de vítimas assassinadas.
Aproveitam a pouca movimentação, as entradas para as áreas de mata — o que torna o local de difícil acesso —, e a ausência de câmeras para abandonar os corpos durante a madrugada. Vestígios do crime que só vão ser localizados no dia seguinte, em muitas situações a partir de denúncias.
Foi o que aconteceu na última terça-feira (3). À repórter Quézia Prado, da TV Gazeta, a polícia e a guarda da cidade informaram que foram acionadas por uma denúncia e que o corpo e o carro foram queimados na madrugada. O veículo, um Onix sedan, passou pelo cerco eletrônico por volta da meia-noite. Ainda estão sendo investigados os autores, a identidade da vítima e a motivação do crime.
São casos, explica o chefe da Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Serra, delegado Rodrigo Sandi Mori, que objetivam confundir as investigações. “Tiram a vítima do bairro para dificultar a identificação. O desdobramento da investigação acaba sendo maior para identificar a pessoa, onde vivia, como foi sequestrada, a motivação, os autores”.
Relata ainda que é uma forma de tentar impedir a atuação da polícia onde ocorreu o crime. “Conhecem a nossa forma de trabalhar e sabem que assim que acontece um homicídio no bairro, começamos a sufocar o tráfico local em busca da autoria”, conta.
Outros pontos na cidade, como a Rodovia do Contorno e a região da divisa entre Serra e Cariacica, também são utilizados com o mesmo objetivo. Mas o principal e mais utilizado para a desova — que é a tentativa de desaparecer com o corpo ou os vestígios de um crime —, observa o delegado, é a Avenida Audifax Barcelos.
Casos
Na região, em novembro, foi localizado o corpo de um homem, morto a tiros. Ele foi encontrado em meio aos eucaliptos. No mês anterior, a família tinha encontrado o corpo de uma outra vítima com marcas de disparo e sinais de tortura. Relataram que o rapaz havia sido raptado por traficantes, que o tiraram de dentro de casa. Houve o caso ainda de uma vítima abandonada em frente à porteira de uma fazenda.
Outro caso que ganhou destaque foi o assassinato de Caique Conceição Moreira, de 16 anos, achado em abril. “O chefe do tráfico local ordenou que o corpo fosse desenterrado e desovado na Audifax Barcelos”, relatou o delegado em entrevista em novembro.
Segundo as investigações, o jovem foi rendido e levado para uma região de pasto, onde foi agredido, alvo de disparos, e como não morreu, recebeu golpes de enxada. Dos cinco envolvidos no crime, um morreu, dois foram presos, um menor foi apreendido e outro segue foragido.
Uma pesquisa realizada em anos anteriores mostra que esse tipo de crime vem se repetindo. Em geral, os registros envolvem carros abandonados ou incendiados, e vítimas com um grau ainda maior de violência: são encontradas de joelhos, amarradas, com sinais de tortura, mortas a pauladas, facadas, a tiros ou queimadas.
Em 2021, por exemplo, um corpo foi localizado na região sem a cabeça. A situação chegou a ser citada em uma denúncia do Ministério Público do Espírito Santo (MPES). Foi apontado que a vítima, um traficante, foi morta em Vitória, por decisão do tribunal do crime, e levado para desova na Serra.
A avenida, que em muitas situações é citada como rodovia por percorrer um longo trecho de área verde, faz a ligação da Serra-sede — próximo à BR 101 —, até Jacaraípe, cortando vários bairros.
Dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) revelam que, de 2014 até outubro deste ano, a via foi citada em locais de homicídio em pelo menos 42 casos. Em alguns deles é informado que o crime aconteceu em outra cidade, mas que corpo foi “desovado na Avenida Audifax Barcelos”.
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