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A luta das mais de 2,5 mil famílias que vivem sem luz no ES

São moradores de comunidades que há anos solicitam o fornecimento de energia elétrica, sem sucesso, e que agora dependem de decisões judiciais

Vitória
Publicado em 19/07/2024 às 03h30
Sem luz
Crédito: Sabrina Cardoso com Microsoft Designer

Há mais de dez anos o produtor rural Vilmar Barboza Nascimento, 65 anos, alimenta um sonho: ter acesso a energia elétrica em sua casa. Alguns de seus vizinhos foram morar em outras regiões, mas ele se recusa a abandonar a comunidade de Carapina, em Pedro Canário. “Eu não perco a esperança”, assinala. Assim como ele, cerca de 2,5 mil famílias no Espírito Santo vivem em áreas que não contam com o fornecimento do serviço.

O levantamento foi realizado pelo Núcleo de Defesa Agrária e Moradia (Nudam), da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), que representa famílias até em processos que tramitam na Justiça estadual. “É um serviço essencial para a dignidade humana que precisa ser fornecido”, destaca a defensora pública Marina Dacolmo da Silva sobre casos distribuídos em alguns pontos do Estado. Confira:

  • Comunidades Quilombolas do Sapê do Norte - reúnem quase duas mil famílias em territórios espalhados entre os municípios de São Mateus e Conceição da Barra, ainda não demarcados. Já houve decisão judicial para a instalação de energia nas comunidades, o que ainda não aconteceu, segundo a Defensoria
  • Comunidade Fazenda Batista - Em Marilândia há famílias que vivem há pelo menos 18 anos em imóveis não regularizados e em situação de extrema vulnerabilidade. São pequenos produtores rurais. Há disputa entre duas concessionárias de energia
  • Comunidade Fazenda Carapina - Moradores de Pedro Canário, extremo Norte do Estado,  que vivem do improviso, lançando mão de velas e lanternas para fazer suas atividades. A comunidade surgiu da venda de uma antiga fazenda e a maioria não possui registro dos imóveis. Já houve decisão da Justiça estadual, que vem sendo contestada pela concessionária
  • Loteamento da Quinta - Localizado em Guarapari, no bairro Santa Mônica, onde as famílias vivem há uns 8 anos. Em 2022 houve o corte das ligações irregulares, com argumentos do município de que estão em área ambiental. Há processo na Justiça
  • Loteamento Vista Mar -  Em Vila Velha, mais de 300 famílias residem no local há uns sete anos. As dificuldades envolvem a regularização do loteamento. Há ação na Justiça

Impasses

Em plena era digital, com eletrodomésticos integrados e conectados, é difícil imaginar a realidade desses moradores, que não possuem energia para acender uma lâmpada. (veja vídeo no final do texto) E às vezes convivendo ao lado de comunidades onde o serviço é oferecido. Os relatos são de que há anos solicitam para a EDP que faça as instalações necessárias, sem sucesso, e agora dependem de decisões judiciais.

O argumento para negar o fornecimento tem relação com a regularização fundiária, ou seja, indicam que os imóveis ou não estão no padrão ou não se encontram legalizados em nome de seus proprietários por motivos variados. 

“Com este argumento de falta de regularização fundiária, boa parte da cidade de Vitória não teria fornecimento de energia elétrica. Negar o serviço, por exemplo, por ausência de demarcação, é punir duas vezes o morador porque o Estado não atuou. E qual a culpa do morador pela desorganização do município”, pondera a defensora.

Um exemplo desses impasses vem da região dos quilombolas. Deles são exigidos documentos que comprovem que são os proprietários das áreas, mas desde 2012 enfrentam dificuldades com a demarcação dos territórios, com processos paralisados no Incra. A Defensoria Pública inclusive ingressou na Justiça pedindo mais celeridade na condução dos casos.

Situação que se repete em relação às outras comunidades, que surgiram da venda de áreas que eram antigas fazendas, sem que houvesse o registro dos novos imóveis. Há casos de ocupação irregular em área ambiental há quase uma década; e loteamento que enfrenta dificuldades de regularização.

Marina Dacolmo assinala que no Direito não existe nenhuma norma que justifique a negativa de fornecimento por parte da concessionária. “Fazem exigências de que o imóvel tenha que estar dentro de padrões, e se ele não é regular, não pode receber o serviço de forma regular. Volto a afirmar, serviço essencial precisa ser prestado independente da situação do imóvel”.

Acrescenta que o poder público tem a missão de fazer a regularização. “É óbvio que existe a necessidade de uma fiscalização do poder público, principalmente na área de preservação ambiental, mas uma vez que isto não foi feito e a ocupação se consolidou, não pode ser usado como justificativa para não prestar serviço público. Precisa tomar para si a responsabilidade e fazer a realocação dessas famílias, incluir em algum programa”, observa a defensora.

Improviso

Diante da dificuldade para obter o serviço de forma regular, as famílias acabam improvisando, com empréstimo de energia via cabo; com baterias de carro; e até com transformador que não suporta a carga.

O resultado são equipamentos eletrônicos — como geladeiras, máquinas de lavar, microondas, entre outros —, queimados pelas constantes quedas de energia ou, como na maioria dos casos, que se acumulam nas casas sem nunca terem sido usados.

Outro problema é que na maior parte dessas comunidades as famílias sobrevivem através de atividades agrícolas, como plantio e colheita, e a falta de energia agrava o cenário. Eles não podem utilizar qualquer maquinário agrícola ou sistemas de irrigação, ampliando os danos causados devido à ausência do serviço.

Em entrevista para A Gazeta, Ezequiel de Jesus Santos, 42 anos, de Pedro Canário, relatou que molhava sua roça à mão. “Está tudo montadinho, mas não tenho como tocar a minha irrigação porque não tenho energia”.

A EDP, concessionária de energia elétrica, foi demandada pela coluna, sem êxito. O espaço segue aberto para a manifestação da empresa.

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