Um jovem que usava múltiplas drogas e com dificuldades para controlar o consumo, que desenvolveu delírios de perseguição e alucinações. Em meio a uma crise, matou a namorada. A descrição reúne pontos do novo laudo médico a que foi submetido Matheus Stein Pinheiro, denunciado pelo crime. O documento diz que, na ocasião, ele apresentava um quadro de perturbação da saúde mental e doença mental. Encaminhada à Justiça estadual, a perícia pode evitar que ele enfrente o Tribunal do Júri.
O crime aconteceu no dia 15 de maio do ano passado, em um apartamento no Centro de Vitória, onde Ana Carolina Rocha Kurth, 24 anos, morava com o namorado. Ela foi morta com mais de 40 facadas, dez delas no rosto, segundo informações da polícia. O corpo foi encontrado pelo sogro da jovem.
Esta foi a segunda vez que Matheus foi avaliado em perícia médica, determinada pelo Juízo da 1ª Vara Criminal de Vitória, em março deste ano, a ser feita por uma junta médica composta por três profissionais da Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (UCTP). O documento foi entregue esta semana.
O promotor do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), Rodrigo Monteiro, que atua no Tribunal do Júri de Vitória, informou que se ficar comprovado que o jovem é totalmente inimputável, ele não poderá ser julgado. “Caso não tenha consciência do delito, não poderá ser julgado ou punido com a prisão”.
Acrescenta que se a condição for identificada como semi-imputável, ele poderá receber uma pena reduzida. “Avalio que esta é a condição que o laudo indica, que ele tinha consciência parcial, neste caso ele pode ser julgado e receber uma pena reduzida”, explicou.
"Ouvia vozes"
Ao perito o jovem relatou que ouvia vozes dizendo a ele que Ana o estava traindo e que ele precisava investigar. Diversas vezes pediu para checar as câmeras do prédio para verificar se alguém tinha entrado em seu apartamento, mas não acreditava nas imagens.
Deixou seu celular em casa para gravar tudo o que ocorria no imóvel. O áudio foi ouvido, inclusive, no dia do crime. Segundo Matheus, ele “tinha o barulho de sexo, de pessoas falando de sexo, fazendo sexo”. O que Ana teria negado.
“Aí, ouvindo ela mentindo, eu sai de mim! Lembro de eu indo pra cozinha e de ter pego uma faca... Eu sei que eu matei ela, mas não sei quantas facadas eu dei... Eu saí de mim... Quando eu me dei conta, eu estava ensanguentado, em pé, com a faca na mão e ela no chão... Aí eu soltei a faca e pensei em me matar... “, relatou Matheus ao perito.
Após o crime, ele tomou banho, trocou de roupa, deixou o apartamento e foi para Conceição da Barra, no Norte do Estado, de ônibus. Dois dias depois foi preso pela Polícia Civil. Foi denunciado pelo MPES, o que foi aceito pela Justiça em junho do ano passado.
E nega arrependimento. “Não adianta eu dizer que nessa hora eu tava arrependido, porque eu não tava, eu ainda tava com muita raiva dela, eu ouvia o barulho deles fazendo sexo e isso ficava na minha cabeça…”
O que diz o novo laudo?
O documento relata que Matheus evidenciou um “histórico psicopatológico condizente com transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas — síndrome de dependência e transtorno psicótico residual ou de instalação tardia, bem como acentuação de determinados traços de personalidade".
Diz ainda que a análise dos fatos envolvendo o crime, comparados às justificativas que o jovem forneceu aos médicos para o cometimento do assassinato “apresentam caráter francamente delirante”.
“Captava pequenos acontecimentos cotidianos como prova inequívoca de estar sendo ludibriado e traído por sua companheira, fato este em desacordo com a realidade universalmente compartilhada”, é relatado no texto.
E acrescenta que, “dessa forma, sendo incapaz de diferenciar realidade e fantasia em virtude da patologia que portava, cometeu o delito em função dos delírios que apresentava”.
E conclui informando que o jovem apresenta quadro “compatível com perturbação da saúde mental e doença mental”. E ainda: “Era, à época dos fatos, parcialmente capaz de entender e inteiramente incapaz de autodeterminar-se, em relação ao fato praticado”.
Matheus permanece detido no Centro de Detenção Provisória de Viana 2 (CDPV 2). Segundo as informações do laudo, ele ainda apresenta “sintomatologia psicótica residual”, embora esteja fazendo uso de medicação na unidade prisional. E sugere que o tratamento deva ser em regime de internação, preferencialmente na UCTP.
Uso de drogas
O primeiro exame pericial foi realizado em julho do ano passado, após ser solicitado pelo advogado de Matheus, Homero Mafra. O resultado revelou que o jovem possui “transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas — transtorno psicótico residual ou de instalação tardia”. O problema foi identificado na classificação internacional de doenças com o “CID10 F19.7”
No segundo exame foram incluídas outras classificações: transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas — síndrome de dependência (CID10 F19.2). E ainda a acentuação de traços de personalidade (CID10 Z73.1).
Mafra não quis se manifestar sobre o novo laudo. Em entrevista concedida em março, informou que não tinha se surpreendido com o resultado do primeiro exame. “Ele não conseguia perceber o caráter ilícito de seus atos na época dos fatos. O juízo deve absolvê-lo e aplicar uma medida de segurança, como uma internação em um hospital psiquiátrico”, disse, na ocasião.
Família não aceita laudo
Para o assistente de acusação, o advogado Rivelino de Souza Amaral, que atua ao lado do MPES representando no processo a família da jovem morta, o novo laudo terá que ser refeito. A começar por ter sido assinado por dois médicos quando a decisão judicial estabeleceu que fossem três profissionais. Aponta ainda que ele não é claro e é inconclusivo por não responder às perguntas formuladas pelo juiz, promotor e advogados.
“Laudo é feito por um profissional da área para esclarecer os fatos, tem que trazer clareza para que um leigo possa ler e compreender. Não é o caso”.
Assinala ainda que o fato do réu estar sob o efeito de drogas não tira dele a responsabilidade pelo assassinato. “Especialmente da forma que cometeu o crime, o comportamento após os fatos. Tomou banho, fugiu, tentou se esconder. O histórico anterior mostra que estagiava, saía, se divertia. Não pode de uma hora para outra ser incapaz”. Rivelino acrescenta que vai aguardar o prazo legal para fazer suas observações e indagações.
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