O ano era 1992. Um grupo de oito deputados estaduais ingressou com uma ação popular questionando os custos da construção da sede da Assembleia Legislativa na Enseada do Suá, em Vitória. O argumento era de que o valor estava bem acima do preço de mercado. Mais de três décadas se passaram e ainda não há uma decisão da Justiça estadual se houve ou não superfaturamento na obra.
Na época, o projeto inicial com 22.780 m² e 12 pavimentos, foi chamado de “obra nababesca”. A estimativa era de que custaria aos cofres públicos “a astronômica cifra”, como declararam os deputados, de CR$ 44.178.919.259,50. E isto mesmo, mais de 44 bilhões de cruzeiros, moeda da época, quando a inflação anual chegava a quase 1.000%.
A perícia judicial que foi solicitada na ação, para avaliar os orçamentos e documentos do contrato, só foi feita no ano passado. O laudo relatou que o custo da obra “extrapolou o valor de mercado dos preços praticados para a construção civil no Espírito Santo”. A diferença paga a mais foi de R$ 65.589.375,04, já considerando as mudanças de moedas nos últimos 32 anos.
Em fevereiro deste ano o valor foi contestado em um parecer do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Patrimônio Público (CADP), do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), assinalando que faltam informações e documentos no processo — como projeto básico, memorial descritivo dos itens utilizados nas obras, planilha orçamentária, entre outros —, que permitam realizar os cálculos.
E, em decorrência das dificuldades, afirma que não é possível “identificar se ocorreu superfaturamento ou sobrepreço no contrato”.
No último mês de maio, o MPES informou que já era o momento de seguir para as manifestações finais e, desde então, todos os autores da ação estão sendo notificados.
O tempo e as mudanças
A tramitação do processo no site do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) revela que nos primeiros dez anos ele caminhou lentamente. Na década seguinte houve tentativas de se fazer a perícia, o que só foi viabilizada 31 anos após o início da ação. E o resultado pode não vir a ser considerado, já que com o tempo as supostas provas necessárias ao cálculo não foram preservadas.
No período, a Assembleia passou por mudanças não só em sua gestão, mas até físicas, com reformas feitas em seu prédio. A empresa contratada para fazer a obra, a Encol, faliu. Os trabalhos foram concluídos pela Blokos Engenharia, que também faliu. E o Brasil trocou de moeda duas vezes.
O tempo passou também para os autores da ação popular e seus advogados. Ela foi iniciada com oito deputados:
- Ricardo Ferraço - vice-governador
- José Francisco de Barros
- Jauder Dorio Pignaton
- Renato Casagrande - governador
- Brice Bragato - advogada
- João Carlos Coser - deputado estadual
- Ruzerte de Paula Gaigher
- Hélio Gualberto Vasconcellos - falecido
Um deles morreu, assim como alguns advogados. Aos poucos os demais foram deixando o processo. Permaneceram à frente da ação Casagrande e a ex-deputada Brice. Ela afirma que vai mantê-la até haver uma sentença, o que não ocorreu em mais de três décadas.
“É vergonhoso para o Judiciário ter um processo referente a uma causa pública, que foi um escândalo na época, tramitando há décadas sem uma sentença. Já há um laudo técnico comprovando o que apontamos na ação, que houve superfaturamento na obra. E tenho certeza de que se houver condenação, vão recorrer por mais 32 anos”, assinala Brice.
Por nota, o governador Renato Casagrande informou que não iria se manifestar.
A Procuradoria-Geral da Casa Legislativa, também por nota, informa que acompanha a tramitação processual e que está à disposição para fornecer qualquer informação adicional.
“Em consonância com os princípios de transparência e compromisso com a legalidade, a atual gestão tem colaborado plenamente com a Justiça Estadual, disponibilizando todos os documentos encontrados que versam sobre a contratação”.
Obra mais rápida do que a ação
A nova sede da Assembleia Legislativa foi inaugurada em março de 2000, oito anos após o início das obras, que caminharam mais rápido do que a tramitação do processo que a questionava.
O projeto começou a ser discutido em 1980 pelo então presidente Edson Machado. Ele chegou a encomendar um estudo ao arquiteto Oscar Niemeyer, que tinha visitado o Estado naquele ano.
A proposta não foi bem recebida porque sofreu oposição da bancada do PMDB e do então governador Eurico Rezende. O assunto ganhou novo fôlego em 1992, quando Valci Ferreira era o presidente. O prédio foi inaugurado na gestão de José Carlos Gratz.
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