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Com fim de manicômio judiciário, 57 pacientes vão ser soltos no ES

A liberação atinge pessoas que estão internadas por crimes como homicídio e não puderam ser punidas com a prisão. Laudos médicos apontaram que elas não tinham consciência dos atos cometidos

Vitória
Publicado em 09/04/2024 às 05h00
Fim do manicômio judiciário
Fim do manicômio judiciário. Crédito: Arte - Geraldo Neto

O manicômio judiciário, como é popularmente conhecida a Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (UCTP) do Espírito Santo, será fechado. Até o próximo dia 28 de agosto, prazo final para o encerramento das atividades,  vão ser soltos 57 pacientes — cinquenta e dois homens e cinco mulheres.

Eles cumprem medida de segurança com internação judicial, sanção aplicada a pessoas que não podem ser punidas com a prisão. Laudos médicos apontaram que não tinham consciência dos atos cometidos em crimes como homicídio, infanticídio e até canibalismo.

A decisão segue o que determina a Resolução 487 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), assinada em fevereiro do ano passado. O documento estabelece o fim dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico em todo o país, levando para o Poder Judiciário os efeitos da Lei Antimanicomial de 2001, que pôs fim ao isolamento dos pacientes em unidades psiquiátricas, garantindo a eles tratamento digno e retorno ao convívio social.

“Existe uma essência humanística em que essas pessoas não vivam mais em um rito de prisão”, explica Rafael Pacheco, secretário de Estado da Justiça, pasta responsável pelas unidades prisionais do Estado.

Após a liberação, os pacientes vão continuar o tratamento de saúde mental nos ambulatórios da rede pública. Os que tiverem famílias voltam para suas casas. Já os que perderam os laços familiares  vão ser encaminhados para residências terapêuticas ou inclusivas, dependendo do tipo de condição mental que apresentam. Nos casos em que for necessário, e de forma temporária, alguns podem vir a ser internados em hospitais psiquiátricos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Quem vai ser solto

A maior parte dos pacientes da UCTP  cometeu crimes de homicídio praticados contra familiares, o que dificulta o retorno deles para suas antigas casas. Há ainda situações que envolvem a morte de criança e canibalismo.

São pessoas com transtorno mental, como esquizofrenia e bipolaridade, ou com retardo mental. "Casos em que a perícia médica apontou uma incapacidade e eles não cumprem pena porque não tinham consciência do que estavam fazendo. Eles vêm para a unidade para serem tratados, estabilizados e, posteriormente, são devolvidos à sociedade", explica a diretora-adjunta da unidade, Joania Chiabai.

Um dos casos mais complicados é o de um homem de 69 anos, que há 45 anos vive sob custódia penal em hospital psiquiátrico. Sua internação começou em 1979, ainda no antigo Hospital Adauto Botelho. “Ele está institucionalizado há muito tempo por uma questão clínica e por não ter acolhimento. Já foi feita a desinternação dele outras vezes e ele retornou em decorrência do seu perfil comportamental”, conta Joania Chiabai, diretora-adjunta da UCTP.

Outro desafio é um paciente que chegou a ser desinternado em maio de 2021, e em menos de dois anos cometeu um novo homicídio na residência terapêutica e voltou a ser internado em janeiro de 2023. Há ainda o caso de uma mulher que matou o bebê.

Os internos recebem tratamento com psiquiatra, psicólogo, enfermagem 24h, médico clínico, odontólogos e participam de atividades educacionais e recreativas . Mas também são acompanhados de perto por policiais penais e seguem os procedimentos de um presídio, mas adequados à sua condição de saúde.

Dos 57 pacientes, 28 não possuem acolhimento familiar e dependem de vagas em unidades das secretarias de Saúde ou de Assistência Social. Oito já estão com a desinternação autorizada pela Justiça estadual, mas ainda não foram liberados por falta de vagas em residências.

Fora dos muros

Foi criado um grupo de profissionais das secretarias de Justiça, Saúde e de Assistência Social  que estão trabalhando junto com o Judiciário no movimento de desinternação. Desde fevereiro deste ano, por decisão da Justiça estadual, a unidade já não recebe novas internações.

“Existe um planejamento que respeita os ritos legais e que segue uma análise da periculosidade de cada um desses internos. Gradativamente, dentro de uma proposta de controle e segurança, está sendo realizada a saída desses pacientes da  unidade para o universo de assistência social e de saúde, que é o objetivo do CNJ”, explica Pacheco.

Para que o prazo de fechamento seja cumprido,  a equipe médica está acelerando a avaliação da condição dos pacientes estáveis e produzindo laudos a serem encaminhados à Justiça. 

Em geral, após um ano de aplicação da medida de segurança, são realizados exames médicos para avaliar se o paciente está apto para ser desinternado. Caso não esteja, o exame é repetido a cada seis meses até que ocorra a liberação. “A partir de agosto, se a periculosidade permanecer e houver necessidade de internação, segundo o previsto na Resolução 487, o juiz determinará uma internação em um hospital geral”, explica Joania.

Quando as atividades forem encerradas na UCTP, que é a única do Estado, o espaço será transformado em uma unidade de transição para atender as demandas do Judiciário na realização de laudos de insanidade mental e acolhimenton temporário dos pacientes para avaliação médica.

O primeiro hospital de custódia e tratamento psiquiátrico do Estado, chamado de  HCTP Dr. Antônio Batalha Barcelos, foi inaugurado em 1986. Dividia o espaço com o antigo Hospital Adauto Botelho, de quem absorveu os pacientes sob medida de segurança. Em 2017 passou a ser denominado Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (UCTP), já funcionando em nova sede, na área rural de Cariacica.

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