A sentença da Justiça Federal que condenou a Eco101 pela prática de atos de corrupção contra a administração pública aponta que a empresa fraudou a execução do contrato de concessão. Foram utilizados relatórios de monitoramento forjados, com informações adulteradas sobre o desempenho da gestão da BR 101, o que evitou penalidades e multas e garantiu vantagens financeiras envolvendo o pedágio cobrado na rodovia. Mas como o esquema foi posto em prática?
Alvos da investigação, os relatórios de monitoramento são uma exigência do contrato de concessão e precisam ser encaminhados para a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) e outras entidades públicas, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), nos casos de obtenção de empréstimo.
Eles têm o objetivo de apurar se as obras realizadas pela concessionária foram adequadas para garantir o nível mínimo de qualidade técnica exigido para a rodovia, com avaliação dos seguintes serviços:
- Pavimento (anual)
- Sistemas de drenagem e obras de arte correntes (trimestrais)
- Canteiro central e faixa de domínio (anual)
- Edificações e instalações operacionais (anual)
- Obras de arte especiais, como pontes, passarelas e viadutos (anual)
- Elementos de proteção e segurança, como sinalização vertical e horizontal (semestral)
- Terraplenos e estruturas de contenção (anual)
- Sistemas elétricos e de iluminação (anual)
As investigações realizadas pela Polícia Federal apontam que o esquema, posto em prática entre os anos de 2014 e 2018, envolvia algumas etapas. O primeiro passo foi contratar empresas de engenharia — diretamente ou por leilões também fraudados — para realizar levantamentos, monitoramentos e vistorias nas rodovias, informações que subsidiaram os relatórios.
Na segunda etapa surgiam as fraudes. “Em conluio com as concessionárias, as empresas de engenharia contratadas expediam relatórios ideologicamente falsos, que eram utilizados à ANTT com o objetivo de evitar multas por descumprimento de cláusulas contratuais”, é relatado no texto judicial.
Em um terceiro momento, a concessionária enviava a outras entidades públicas, como o BNDES, relatórios com texto diferente do remetido à ANTT, com o objetivo de obter financiamentos públicos. Mas na sentença é informado que a discrepância entre os relatórios apresentados pela Eco101 só se confirmou em relação à ANTT.
Motivação
Na ação civil pública que resultou na condenação da empresa, o Ministério Público Federal (MPF) relata que os documentos com dados falsos tinham o intuito de mascarar o descumprimento de metas da concessão.
Segundo o contrato, se esses níveis monitorados ficassem abaixo dos parâmetros de desempenho previstos no Plano de Exploração da Rodovia (PER), a concessionária seria penalizada com multa administrativa aplicada pela ANTT. Em outras situações, como a sinalização e pavimento e o não cumprimento dos níveis exigidos, ocasionaria descontos no pedágio.
“Em suma, a investigação policial comprovou que os relatórios produzidos e entregues à ANTT eram, ao menos parcialmente, ideologicamente falsos, de modo que a concessionária não sofresse as sanções e consequências contratuais previstas”, diz o MPF, acrescentando que, com os relatórios falsos, a Eco101 obteve a cobrança do pedágio no primeiro ano e, nos anos seguintes, impediu a redução da tarifa por descumprimento do PER, obtendo “vantagem indevida”.
As denúncias partiram do proprietário de uma empresa de engenharia que participou das fraudes. Elas foram investigadas pelo MPF, Tribunal de Contas da União (TCU) e Polícia Federal. Na ação é informado sobre a comprovação vinda de sete funcionários/gestores da Eco101 que confirmaram terem alterado os relatórios de monitoramento.
Em outro ponto o texto judicial diz que a concessionária reconhece a duplicidade de relatórios (falso e verdadeiro) e apresenta desculpas “frágeis e injustificáveis”, afirmando que elas não foram orientadas ou sugeridas pela Eco101, e que ocorreram de forma pontual. “Ressaltando que tais modificações se deram com base em justificativas técnicas e divergências interpretativas com a empresa terceirizada”.
A concessionária Eco101, por nota, informou que tem colaborado com as autoridades desde o início. “A resolução de questões do passado, incluindo os fatos discutidos na ação civil pública, é um pressuposto do processo de repactuação”, disse, acrescentando que “permanece à disposição para seguir com a solução viável para a BR 101 que melhor atenda ao interesse público".
À Justiça destacou a falta de fiscalização por parte da ANTT, a quem destina, anualmente, R$ 3.7 milhões para a fiscalização contratual. “Ainda que o relatório fornecido apresentasse informações imprecisas, o fato é que é dever contratual da ANTT fiscalizar as obras e constatar eventuais discrepâncias, aplicando respectivas sanções contratuais, se necessário”.
Condenação
Em sua sentença, a juíza federal Maria Cláudia de Garcia Paula Allemand, da 5ª Vara Federal Cível de Vitória, relata que “mostram-se evidentes as ilegalidades perpetradas pela Eco101 ao fraudar a execução do contrato de concessão firmado com a União e o seu equilíbrio econômico-financeiro bem como dificultar a fiscalização pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT)”.
As sanções aplicadas foram com base na lei anticorrupção empresarial (Lei 12.846/2013), que trata da responsabilização de empresas pela prática de atos de corrupção contra a administração pública. Com elas a Eco101 está proibida de receber os seguintes benefícios estatais, seja de órgãos, entidades e instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público:
- Incentivos
- Subsídios
- Subvenções
- Doações
- Empréstimos
Na prática, por exemplo, ela estaria impedida de receber empréstimos para a realização de suas atividades vindos do BNDES, com os já obtidos em anos anteriores, segundo informações em seu site, para realizar obras na rodovia. As medidas valem por um prazo de cinco anos.
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