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Como uma carta de criminosos ajudou a polícia a desvendar crimes no ES

Texto enviado por criminosos a comunidade no Norte do Estado revelava a disputa entre traficantes que acabou resultando em conflito e mortes; 7 já foram presos e número pode aumentar com a conclusão de novas investigações

Vitória
Publicado em 05/03/2024 às 05h00
Carta enviada por traficantes à comunidade de Barra do Riacho, Aracruz
Carta enviada por traficantes à comunidade de Barra do Riacho, Aracruz. Crédito: Arte: Geraldo Neto

No final do ano passado, uma carta de criminosos foi enviada, via aplicativo de mensagens, para a comunidade de Barra do Riacho, em Aracruz, Norte do Estado. O texto ajudou a polícia a entender e desvendar os conflitos envolvendo o tráfico na região, que resultaram em quatro mortes e uma tentativa de homicídio. Dois inquéritos policiais já concluídos indiciaram e levaram à prisão sete pessoas, número que pode aumentar com a finalização de outras duas investigações.

Os autores, uma espécie de dissidência da facção que atuava na região, o Primeiro Comando de Vitória (PCV), se autodenominam “Crias” — “os nascidos e criados em Barra do Riacho”. Relatam no texto que “voltaram para a gestão”,  ao se referirem ao comando do tráfico de armas e drogas local. E ainda que assumiram no lugar dos “forasteiros”.

Citam que “acabou o esculacho e a opressão”, “os tempos difíceis”, e que é melhor “os crias” atuando na região do que “forasteiros covardes que assombram a comunidade”. Eles se referem a barcos tomados de pescadores e até expulsão de moradores de suas casas por traficantes, fatos também investigados pela polícia.

A aparência de apoio à comunidade no texto é um recurso utilizado pelos traficantes, que sob o verniz de parceiros, solucionadores de dificuldades e problemas, querem ofuscar a posterior coerção e o clima de terror. No caso de Aracruz, mostra a insatisfação entre dois grupos criminosos que disputam o tráfico local. “Não tem ninguém bonzinho nessa história”, observa o delegado André Jaretta, titular da Delegacia Especializada em Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), que conduz as investigações.

Quem são os “forasteiros”

A história envolvendo os “forasteiros” começa  pouco mais de um ano antes da mensagem ser enviada. Um roteiro que mescla parcerias, desacordos, suspeitas, fugas e traições. Não à toa a operação policial que prendeu alguns dos envolvidos levou o nome de “Judas”.

Dominavam o tráfico em Barra do Riacho quatro criminosos com vinculação com o PCV e ainda com o Comando Vermelho (carioca), mas que também atuavam na criminalidade e traficância de outros municípios.

  • José Maria de Araújo, que além de Barra do Riacho, em Aracruz, é apontado como uma das lideranças do tráfico no bairro Santa Rosa em Cariacica. Está preso em unidade de segurança máxima
  • Bryan Lyrio Deolindo, natural do de João Neiva, chegou a ser preso, mas está foragido desde que fugiu do sistema penitenciário em dezembro de 2021. É citado como atuante  ainda no tráfico em Cariacica; em Nova Almeida, na Serra; além de Fundão e Colatina
  • Luiz Henrique Cavalcante de Jesus, o Henrique Gordinho, que era de  Barra do Riacho, o que facilitava o trabalho do quarteto. Está desaparecido e é considerado morto
  • Quarta pessoa , que é da região de Vila Velha, mas cujo nome não foi informado pela polícia e também atuava em Barra do Riacho

O quarteto fez uma espécie de parceria para manter o controle do tráfico na comunidade de Barra do Riacho há mais de um ano, se valendo dos contatos de Gordinho na localidade. Mas eles foram alvo de operações das polícias, com investigações, buscas e apreensões, o que resultou em um mandado de prisão contra José Maria.

Preocupados com a iminência da prisão, fugiram para o Complexo da Maré, no Rio, onde partilhavam uma residência e continuavam a comandar o tráfico no Estado.

Mas um desacordo entre eles levou Henrique Gordinho a desconfiar que seria morto pelos parceiros. Ele decidiu fugir para o Espírito Santo, com a mulher grávida, e com apenas a roupa do corpo. Logo após chegar, falou para a família que iria resolver as desavenças e desapareceu. Nunca mais dele se teve notícia e nem seu corpo foi encontrado, o que está sendo investigado.

Diante deste cenário, o quarto integrante — que não tem o nome revelado —, com medo do que a ele poderia acontecer, decidiu se retirar do acordo. Com isto, ficaram apenas José Maria e Bryan controlando à distância o tráfico de Barra do Riacho. Foi neste contexto que surge a dissidência, que se recusa a aceitar ordens de pessoas que não estavam no Estado.

Ataques e mortes

A situação piora quando um dos integrantes da dupla que restou resolve sair do Rio com a família para uma viagem à Bahia. Na volta para o Espírito Santo, José Maria foi surpreendido pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) e acabou sendo preso.

Mas o presídio não foi suficiente para que ele e Bryan, que tentaram recuperar o território, as armas e as drogas, agora nas mãos dos Crias. Conseguiram organizar ataques promovidos no final do ano passado, com o apoio de outros membros do PCV, o que resultou nas quatro mortes e em uma pessoa ferida. Crimes praticados entre o dia 18 de dezembro a 17 de janeiro.

Nesta disputa, Bryan contou com a ajuda de um dissidente da dissidência, um “cria”, que mudou de lado e foi morar na favela carioca. “Uma pessoa que conhecia toda a rotina dos crias, onde atuavam, posição no tráfico, informações que foram decisivas nos ataques que resultaram nas mortes”, explicou o delegado.

O cria dissidente, Renato Veiga Alexandre, o Renatinho, acabou sendo preso na Zona Oeste do Rio de Janeiro, na Operação Judas, realizada em conjunto com a polícia carioca. Em paralelo, outras ações foram realizadas em Aracruz, com apreensões e prisões, o que fizeram cessar os ataques.

As vítimas foram jovens envolvidos no tráfico. As investigações já concluídas identificaram a participação dos mandantes e executores, que em geral são de outras regiões. Sete foram indiciados e presos, mas a expectativa é de que o número chegue a dez com a conclusão de outros dois inquéritos. Desde então, nenhuma outra mensagem foi encaminhada para a comunidade.

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