Um leilão milionário é alvo de uma disputa na Justiça estadual há mais de um ano. Ele envolve cerca de 38 bens, entre eles iate, lancha, helicóptero, avião, jet ski, carros de luxo e até relógios Rolex. Juntos somam quase R$ 16 milhões. A lista contempla parte do patrimônio de oito pessoas que são réus em ação penal após terem sido denunciadas por supostos crimes envolvendo lavagem de dinheiro e organização criminosa, em atividades que envolvem o jogo do bicho.
O rol de bens do grupo contempla em torno de 80 itens — além de recursos depositados em contas —, e cerca de metade foi listada para venda. Confira na tabela abaixo:
Um dos carros, um Porsche Cayenne, foi requisitado pela Justiça gaúcha. Em uma ação criminal no Rio Grande do Sul, o veículo foi penhorado em dezembro do ano passado em processo que tramita em Porto Alegre.
Como se chegou à venda?
Em junho do ano passado, a Justiça estadual aceitou a denúncia contra os oito, apresentada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), após a realização, um ano antes, da Operação Frisson — nome do iate com capacidade para 19 pessoas, pertencente a integrantes do grupo. A decisão foi confirmada em agosto do mesmo ano.
Levantamento realizado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco-Central) estima o dano patrimonial em R$ 120 milhões. Metade do valor referente a dano coletivo e o restante ao que teria sido arrecadado de forma ilícita por intermédio da exploração do jogo do bicho.
Em um dos textos o MPES diz sobre o grupo: “Integram uma sofisticada organização criminosa de lavagem de ativos auferidos em diversas atividades delitivas, notadamente jogo do bicho, pelo que adquirem bens móveis e imóveis de alto valor registrados em nome próprio ou de interpostas pessoas, tais como carros de luxo, embarcações e aeronaves, bem assim movimentam quantias incompatíveis com as capacidades financeiras próprias ou das empresas, com mescla de capitais ilícitos e lícitos, inclusive mediante agiotagem”.
No mesmo período da denúncia foi apresentado o pedido para que parte dos bens fosse leiloada. Lançaram mão do chamado confisco alargado, instrumento de combate à corrupção e organizações criminosas previsto no Pacote Anticrime, de 2019. Ele considera que são produtos e proveitos do crime a diferença entre o patrimônio real e o que seria possível de ser construído com rendimentos lícitos.
E foi informado ainda que os bens identificados para a venda “são naturalmente deterioráveis e depreciáveis pelo não uso, bem como exigem custosa manutenção”. E ainda que estariam “expostos a qualquer tipo de adversidade”.
Citam como exemplo das ações naturais de deterioração e o quanto ela pode ser cara, o que acontece com a embarcação Frisson. Em dezembro de 2022 foi realizada vistoria no iate e constatado que não possui condições de navegação decorrente da inatividade e ausência de manutenção, estimada em cerca de R$ 500 mil.
Venda autorizada
O leilão foi autorizado pela Justiça em junho do ano passado. “Objetivando manter o valor de mercado do bem frente ao decurso do tempo, sem que a sua deterioração ou obsolescência o torne inútil para o fim que se destina, evitando prejuízos às partes, à sociedade e ao Estado”.
Foi nomeado um leiloeiro que chegou a fazer avaliação dos bens. Desde então a medida vem sendo alvo de contestações das defesas dos acusados, com recursos ainda em tramitação. Em maio deste ano, uma nova decisão suspendeu o leilão.
“Verifica-se que a alienação antecipada dos bens, no estado atual, pode causar prejuízos irreparáveis aos acusados, caso o recurso de apelação seja provido. A medida de suspensão é adequada e necessária, tendo em vista o princípio da presunção de inocência e a possibilidade de reversão da decisão condenatória em grau de recurso”, diz o texto judicial.
O que seria feito com o dinheiro da venda?
Segundo o MPES/Gaeco, os recursos apurados com o leilão seriam encaminhados para conta judicial. Ao final do processo, seriam destinados ao Estado ou restituídos aos proprietários dos bens, seguindo a decisão final da Justiça.
“Conquanto aparentemente prejudicial aos acusados, a alienação antecipada é mais vantajosa a todas as partes, porquanto impedirá a deterioração e a má administração dos bens enquanto ainda são negociáveis e conversíveis em dinheiro (liquidez), cujo valor ficará depositado sub judice, protegido contra a ação do tempo e do homem, até o desfecho do processo”, informa o texto.
As defesas dos réus contestam (veja abaixo), argumentando, principalmente, que os valores de venda são baixos e que foram atingidos bens que não deveriam estar no escopo da investigação.
A situação dos réus
Dos oito réus, seis chegaram a ser presos na segunda fase da Operação Frisson: Jeferson Santos Valadares, Kaio Zanolli, Marciano Crua de Sá, Demer Freitas Ferreira, Diego Meriguetti e Sérgio Zanolli. Foram liberados por decisão judicial por volta de setembro do ano passado e respondem ao processo em liberdade.
Na ocasião não foram detidas Isabela Carreiro Silva Zanolli e Tayssa de Abreu Milanez
Segundo informações no site do TJES, as investigações da Operação Frisson, realizadas pelo Gaeco/MPES, originaram cerca de 20 processos judiciais que tramitam na 6ª Vara Criminal da Comarca de Vila Velha. No último mês de julho, a Justiça estadual manteve a restrição ao passaporte de todos os denunciados, a proibição de saída do território nacional, entre outras medidas.
O que dizem as defesas
O advogado Josmar de Souza Pagotto faz a defesa de Jeferson Santos Valadares. Ele informa que se opõe à alienação dos bens por violar o princípio da presunção de inocência. “Não houve julgamento, sentença que permita expropriá-lo de seu patrimônio. Este ato configura como se fosse um julgamento antecipado, sem possibilidade de debater a decisão por meio de recursos”, assinala.
Lembra ainda que a decisão viola alguns princípios do processo, por atingir bens que não são alvo da investigação. “Nenhum processo pode criminalizar todo o patrimônio de uma pessoa. A própria denúncia situou o processo no tempo, falando que ela se reporta há dois anos anteriores. E a ordem de apreensão alcançou patrimônios antigos, com valor sentimental”, pondera.
Outro ponto, segundo ele, é que a decisão — que foi suspensa —, permitiu a venda pela metade do preço. “É um valor considerado vil. A própria decisão enseja uma depreciação grave. E os bens estavam bem guardados, e o ato de apreensão não está gerando uma boa conservação, como é o caso dos veículos utilizados pela PRF”.
Frederico Pozzatti de Souza faz a representação de Sérgio Zanolli. Informou que está aguardando os trâmites do processo e que sobre a autorização do leilão, não apresentou questionamentos ou impugnação. “Meu cliente não tem nenhum bem”.
A defesa de Marciano Cruz de Sá é feita pelo advogado Anderson Burke. Ele assinala que seu cliente “é um conhecido e respeitado jogador profissional de Poker e também empresário com um longo histórico de empreendimentos desde a sua juventude, o que justifica documentalmente o patrimônio que construiu ao longo de muitos anos”.
Informa ainda que ele sempre se pautou pela ética e pela integridade em suas atividades profissionais e projetos corporativos. “Desde o início das investigações prezou pelo absoluto respeito com as autoridades, colaborou plenamente com a investigação e está comprometido com a verdade. Estamos confiantes de que, ao longo da ação penal, as evidências irão demonstrar que ele não teve qualquer envolvimento em atividades ilegais”.
Diego Meriguetti é representado por Manoeli Braun Viola. Ela informa que seu cliente não tem nenhuma relação com os bens de luxo que foram apreendidos na operação. “Quanto aos bens apreendidos do Diego, ele foi nomeado como depositário fiel e estamos aguardando a devolução”.
Em relação ao leilão, assinala que defende que a medida mais adequada seria a suspensão. “Uma vez que o processo se arrasta sem instrução e os advogados até hoje, contrariando decisão judicial, ainda não tiveram acesso a todas as provas produzidas pelo Ministério Público, o que configura cerceamento de defesa”.
A advogada Thais Rissari DeMartha realiza a defesa de Tayssa de Abreu Milanez. Informou que aguarda o julgamento dos processos e recursos “dentro das formalidades legais”.
O advogado Rafael Duque Estrada, que faz a representação de Isabela Carreiro Silva Zanolli; e ainda o advogado Sebastião Rivelino de Souza Amaral, que representa Demer Freitas Ferreira, informaram não se manifestam sobre o processo. A reportagem tenta contato com a defesa de Kaio Zanolli. O espaço segue aberto para a manifestação.
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