Era por volta das 5 horas quando o jovem de 24 anos deixou a praia de Manguinhos, na Serra, rumo a uma pescaria. A bordo do pequeno barco Samburá seguia com ele outros dois tripulantes. O final do dia chegou e eles não voltaram. Quase uma semana depois os corpos dos amigos foram localizados, mas as buscas não trouxeram alívio para a família da jornalista Daniela Ramos Ribeiro Proença, que tenta comprovar a morte do pai desaparecido há 45 anos.
A família constatou que José Carlos Siqueira Ribeiro, o Zequinha, não tinha voltado da pescaria na tarde do dia 6 de outubro de 1979. Com ele estavam Rubens Salles Primo, o Santana, ex-juiz de futebol, e o adolescente de 13 anos, Rubens Salles Primo Junior, o Bolão. Naquele dia começou o desespero e a angústia da família de Daniela.
O primeiro a ser encontrado foi Bolão, amarrado ao barco, no litoral de Meaípe, Guarapari, seis dias após a viagem. No dia seguinte o corpo de seu pai foi achado em Ponta da Fruta, litoral de Vila Velha. Os três tinham intenção de voltar com o barco cheio, cuja venda do pescado ajudaria na renda das famílias. Não se sabe o que aconteceu com a embarcação, mas as buscas foram encerradas dez dias após o desaparecimento.
O passo a passo do naufrágio e do sofrimento das famílias foi registrado nas páginas de A Gazeta. E foram estas matérias que ajudaram a jornalista a ingressar na Justiça pedindo que seja reconhecida, oficialmente, a morte de seu pai. Semelhante a tantas outras famílias cujos entes queridos desapareceram, Daniela quer pôr fim ao luto que caminha para cinco décadas.
“Preciso finalizar esta história. Minha mãe, que morreu em 2013, passou a vida imaginando que ele foi socorrido por algum navio, ou que acordou em uma praia sozinho, sem memória, por isso nunca voltou para casa. Havia sempre uma esperança”, conta Daniela.
Uma esperança pautada no fato de que Zequinha era jovem e um exímio nadador. E assim conseguiria superar as dificuldades impostas pelo mar, o que não aconteceu.
Daniela não tinha 3 anos quando o pai desapareceu. Seu irmão, filho de um relacionamento anterior de sua mãe, tinha 11 anos na época. A mãe, Silvia Maria Garcia Ramos, ficou sozinha cuidando dos dois filhos.
“Minha mãe era bilheteira do Theatro Carlos Gomes, onde se aposentou. Era uma mulher independente, aguerrida, à frente do seu tempo, que criou os dois filhos sozinha, com muita dificuldade”, relata Daniela, que em 2017 também perdeu o irmão.
Casamento
Foi em 2020, ano da pandemia, quando entregou no cartório os documentos para o seu casamento, que Daniela sentiu o peso de sua história. “Apresentei a certidão de óbito da minha mãe, mas a do meu pai tive que entregar a certidão de nascimento, a única que tinha, mesmo ele não estando vivo. Foi um baque”.
Nos meses seguintes começou a sua luta. Primeiro reuniu documentos que comprovam a morte do seu pai — ou pelo menos o desaparecimento —, e na sequência solicitou o reconhecimento da morte presumida. Ela acredita que foi a esperança de que seu pai um dia retornaria que não estimulou sua mãe e os tios a obterem a certidão de óbito.
“A morte presumida é um processo difícil, é preciso juntar documentos e depoimentos para comprovar que a pessoa morreu. Em outubro do ano passado conseguimos um parecer favorável do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e agora aguardamos a decisão do juízo”, relata.
Para Daniela o documento vai permitir que a família possa finalizar a história de Zequinha. “Quero dar dignidade à vida do meu pai, a sua história. Enquanto isto não acontecer, fica um vazio muito grande, uma tristeza difícil de explicar”.
Quando conseguir o documento, ela pretende realizar uma celebração ou um culto em homenagem a Zequinha. “Ele merece paz, merece descansar. E nós também”.
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