Após dois dias de julgamento, o Tribunal de Júri de Fundão surpreendeu com uma decisão considerada rara na noite desta terça-feira (25). Dois irmãos foram apontados como os autores de um feminicídio. Segundo denúncia do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), os dois praticaram o crime de forma conjunta, “nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar”. Mas eles receberam sentenças diferentes: um foi condenado e o outro recebeu clemência, sendo absolvido das acusações.
Os irmãos Jermison Neres dos Santos e Marcio Gleide Neres dos Santos foram acusados de matar Aline Farias Zucolotto com vários disparos de arma de fogo. O crime aconteceu na madrugada do dia 19 de janeiro de 2020.
Aline foi namorada de Márcio Gleide, com quem teve um filho. Quando o relacionamento se encerrou, sobraram as disputas por pensão alimentícia. Algum tempo depois, ela começou a se relacionar com Jermison, com quem também teve uma filha. Veio a separação e com ela a disputa pela guarda da criança.
Na sentença de pronúncia — que encaminhou os irmãos para julgamento —, é informado que a motivação do crime veio da intenção de Jermison de conseguir a guarda unilateral da filha; por sua vez, Márcio teria agido por querer se ver livre da obrigação de pagar pensão alimentícia, além de se vingar de Aline por ter ficado preso pelo inadimplemento da obrigação alimentar.
Em sua denúncia o MPES informou que os dois irmãos atuaram em conjunto. “Agindo de forma consciente e voluntária, com inequívoco intuito de matar, em concurso e mediante acordo de vontades, cada qual anuindo com a conduta do outro e contribuindo de alguma forma para o evento, foram os responsáveis pela morte de Aline”.
Mas na noite desta terça-feira (25), os jurados decidiram condenar Márcio pelo crime de feminicídio e absolver Jermison. Uma decisão que surpreendeu o promotor Egino Gomes Rios da Silva, que relata que o crime praticado foi gravíssimo, com a mulher sendo vítima de múltiplos disparos de arma de fogo, no contexto de violência doméstica e familiar.
“A decisão é um contrassenso. A imputação para os dois foi a mesma, e fomos surpreendidos com a clemência para um dos réus”, disse, acrescentando que vai estudar melhor o caso para decidir se irá recorrer contra a sentença.
Egino explica que apesar de não ser comum, a clemência está presente no Código de Processo Penal desde 2008, quando passou a ser incluído entre os quesitos a serem respondidos pelos jurados a seguinte pergunta, de caráter obrigatório: “Se o acusado deve ser absolvido”.
No caso de Fundão, os jurados confirmaram em uma pergunta anterior que Jermison era o autor dos disparos que matou a vítima, mas a maioria decidiu que ele deveria ser absolvido. “Achei um veredicto completamente incoerente”, observou o promotor.
Outro crime
Além do feminicídio contra Aline, os irmãos também foram acusados por tentativa de homicídio contra o namorado dela, Diego Borges de Oliveira. Nos relatos à Justiça, feito pela promotoria, é informado que ele tentou impedir que a mulher fosse morta e acabou sendo atingido pelos disparos.
Neste caso, tanto Jermison quanto Márcio foram condenados. Confira como ficou a situação de cada um dos réus:
- Jermison Neres dos Santos - obteve clemência e foi absolvido pelo feminicídio de Aline. Mas foi condenado a 4 anos de reclusão pela tentativa de homicídio contra Diego. Como já estava preso desde 2020, já cumpriu quase toda a pena e os meses que faltam serão em regime aberto. Ele já foi solto.
- Marcio Gleide Neres dos Santos - foi condenado pelo feminicídio de Aline e pela tentativa de assassinato contra Diego a 23 anos e 8 meses de prisão em regime fechado. Ele está foragido.
O que diz a defesa
Para o advogado e cientista criminal Augusto Martins Siqueira dos Santos, responsável pela defesa de Jermison, houve justiça para seu cliente com a absolvição em relação ao crime de feminicídio.
“No Tribunal do Júri conseguimos desconstituir todas as provas contrárias a ele”, relata. Perito em investigação criminal defensiva — previsto no Provimento 188/18, da Ordem dos Advogados do Brasil —, ele relata ter ido a campo entender o que tinha acontecido e obter dados que comprovaram que Jermison não participou do crime. Informações que utilizou em plenário. “O que contribuiu para a decisão dos jurados”, conta.
Apesar da decisão de clemência ser rara, esta é a terceira vez que Augusto a conquista. “A primeira foi em um júri em Minas Gerais, outra há alguns anos em Vila Velha, e agora em Fundão”.
A coluna não obteve retorno dos contatos feitos com a defesa de Márcio.
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