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Juiz pegou empréstimo para devolver dinheiro de suposta fraude, diz MPES

Valor foi emprestado por genro, que  agora é testemunha no processo, e foi devolvido por advogado denunciado no suposto esquema

Vitória
Publicado em 03/09/2024 às 03h30
Juiz empréstimo
Crédito: Arte - Sabrina Cardoso com Microsoft Designer

O juiz Maurício Camatta Rangel, denunciado por suposto envolvimento em esquema criminoso para saque de heranças, pediu um empréstimo de R$ 400 mil ao genro, o médico Bernardo Azoury Nassur. Segundo o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) o valor seria destinado a devolver valores desviados em fraude praticada por grupo criminoso do qual o magistrado foi apontado como integrante.

Em sua denúncia o órgão ministerial pede R$51.526.813,74 como reparação pelos danos material e moral.

O médico foi um dos investigados na Operação Follow the Money e para ele foram determinadas medidas cautelares, incluindo o uso de tornozeleira. Mas na fase seguinte, na denúncia apresentada pelo MPES, ele passou para a condição de testemunha.

"Neste momento, não se verifica suporte probatório mínimo para embasar persecução criminal judicial, ou mesmo prosseguimento da investigação", diz o texto do órgão ministerial em relação a ele e outros investigados.

As informações sobre o empréstimo estão em denúncia do MPES, encaminhada à Justiça estadual no último dia 23. E ainda em decisão do desembargador Sérgio Ricardo de Souza, que é relator do inquérito judicial que apura se teria ocorrido fraude na concessão de sentenças para saque de heranças.

Souza decidiu continuar à frente das investigações, considerando a presença de um juiz entre os denunciados. E deu um prazo de 15 dias para que as defesas de todos os investigados se manifestem.

O empréstimo

Nos dois textos — do desembargador e do MPES — , há menções sobre o depoimento concedido pelo médico no inquérito judicial, quando relatou que em outubro de 2023, seu sogro, Camatta Rangel, lhe pediu emprestado  R$ 400 mil. E acrescentou que o valor seria destinado “para quitar uma suposta dívida contraída no Rio de Janeiro”.

É acrescentado ainda que a quantia foi disponibilizada após empréstimo bancário feito por Bernardo, em nome de sua empresa, porque na ocasião ele não tinha o total solicitado pelo sogro.

Após obter o empréstimo, relatou o médico, o valor foi transferido para a empresa Gleba Const. e Emp. Ltda, que seria de propriedade do empresário Luam Fernando Giuberti Marques. Fato que teria ocorrido a pedido do magistrado. “Porém não efetuou maiores questionamentos diante da relação de amizade íntima entre Maurício Camatta e Luam”, é informado na decisão judicial.

Já no texto da denúncia do MPES é dito que, também em depoimento, a filha de Camatta Rangel relatou que “seu pai havia afirmado que estava com um problema no Rio”.

Devolução

Parte do dinheiro emprestado foi devolvido por intermédio de Ricardo Nunes. Trata-se do advogado preso na Operação Follow the Money e também denunciado pelo MPES. Segundo o médico, Camatta Rangel lhe informou que o advogado estava lhe “ajudando a resolver a situação do Rio e a pagar o empréstimo”.

O médico disse ainda à Justiça que em março deste ano, o juiz o teria chamado a comparecer em sua residência, onde relatou que suspeitava de uma investigação do MPES envolvendo o seu nome. E ainda que seria necessário se “resguardar mediante a apresentação de uma justificativa para uma transferência de R$ 100 mil". O valor  teria sido pago a Bernardo pelo irmão de Luam.

Na reunião, em que estaria presente Luam, foi sugerido ao médico que fosse feito um contrato simulado de venda de um aparelho de ecocardiograma de Bernardo à esposa de Luam, que é médica, como meio de justificar a transferência. "Tendo o depoente declarado que o contrato chegou a ser confeccionado e que fora pressionado por Camatta e Luam a assinar o documento”, é relatado no texto judicial.

O contrato foi anexado ao inquérito judicial, entregue pelo advogado de defesa do médico, Frederico Pozzatti de Souza.

Em sua denúncia, o MPES aponta que “há fortes indícios” de que os R$ 400 mil emprestados ao juiz “serviram para que ele devolvesse parte dos valores desviados da conta de Gilda Maria Reis Crockatt de Sá ao espólio”. E ainda que Camatta Rangel teria recebido “indevidamente a importância de R$ 400 mil” por “ter viabilizado o desvio dos valores para os integrantes da organização criminosa”.

O órgão ministerial relatou ainda à Justiça que o grupo criminoso, após a obtenção do alvará, retirava os valores das contas (as heranças) e distribuía entre os seus integrantes, “com o objetivo de ocultar ou mascarar a origem ilícita dos recursos”. E em um momento seguinte ele era integrado ao patrimônio pessoal dos envolvidos, após um processo de "lavagem do dinheiro".

Cobrança de dívida de falecida

O caso citado pelo MPES envolve o espólio de Gilda Maria Reis Crockatt de Sá. Trata-se de cobrança de uma suposta dívida por serviços que teriam sido executados em em 2015, cuja dívida alcançava R$ 3.070.570,79.

O processo foi iniciado em 2021 e, oito dias depois, segundo o MPES, o dinheiro foi liberado. Na sequência, o espólio de Gilda informou que ela havia morrido em 2016, seis anos antes do suposto acordo para viabilizar o saque. E cobrou a devolução do dinheiro.

Os envolvidos no esquema fizeram novo acordo se comprometendo a devolver o dinheiro em três parcelas, o que não aconteceu. A situação só foi resolvida em abril deste ano.

O que dizem as defesas

O advogado Frederico Pozzatti de Souza, que faz a defesa do médico Bernardo, relata que o trabalho, desde a deflagração da operação, foi para “mostrar que o seu cliente foi envolvido nestes fatos”.

“Conseguimos demonstrar que, na verdade, ele emprestou dinheiro de boa fé para o sogro, que informou estar com problemas no Rio de Janeiro”, explicou.

O advogado Carlos Antonio Tavares, que faz a defesa de Ricardo Nunes, disse que está confiante na inocência do seu cliente e que “tudo vai ser provado”. Ele destaca que a situação de Nunes envolve um paradigma jurídico, considerando que ele atuava como advogado de alguns dos denunciados.

“A violação do sigilo profissional é vedada pelo estatuto da OAB e é crime no Código Penal. Ele não pode cometer um crime para se defender de outro crime”, pondera.

O advogado Ludgero Liberato, que faz a defesa do juiz Maurício Camatta Rangel, informou que o seu cliente "não vai dar declarações em desfavor do genro para a preservação da unidade familiar". Acrescentou que os esclarecimentos sobre o caso serão prestados em momento oportuno, no processo.

Douglas Luz, que faz a defesa de Luam, informou que permanece acreditando que todos os fatos apresentados pela acusação serão devidamente esclarecidos. “Aliás, somente agora, de fato, se inicia a fase processual em que é assegurado o contraditório”.

E disse ainda sobre a denúncia do MPES: “Recebemos com muita surpresa as tipificações ali aventadas, porém, mediante defesa técnica manifestaremos toda a nossa irresignação”.

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