Quatro décadas após a tragédia ambiental que atingiu dezenas de famílias no Morro do Macaco, em Vitória, os sobreviventes que permaneceram na comunidade e os que perderam suas casas e foram transferidos para o bairro Feu Rosa, na Serra, vivem hoje sob um outro tipo de insegurança: a violência do tráfico de drogas e de suas extorsões.
Relato feito à coluna por policial que atuava na região de Tabuazeiro e que participou do socorro às vítimas, em 1985, é de que a comunidade era tranquila e que pouco era acionado para atender ocorrências de crimes, sendo os casos mais comuns os patrimoniais, como furtos e roubos, e brigas entre familiares ou vizinhos.
Uma realidade que começou a mudar no caminho para os anos 2000, quando a presença do tráfico de drogas passou a se fazer mais presente. E a década que se seguiu foi marcada pela união de alguns criminosos, o que se configurou a partir dos anos 2010, com o surgimento no Estado das facções criminosas.
Vida em meio à guerra
Os bairros onde os sobreviventes da tragédia e seus familiares vivem hoje são marcados por situações típicas da guerra do tráfico: disputas e conflitos entre grupos por territórios, monitoramentos em pontos estratégicos, trocas de tiros, confrontos com a polícia, toque de recolher e operações policiais.
Um exemplo é o Morro do Macaco, onde vivem cerca de 3.231 pessoas, segundo levantamento realizado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), com base no Censo 2022 do IBGE.
De acordo com o delegado Romualdo Gianordoli, subsecretário de Estado de Inteligência (Sei) da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), a situação local piorou quando os três “irmãos Vera” — em referência ao nome da mãe deles — tomaram a área, assumindo as bocas de fumo.
“Começaram a expansão, mas sempre com a proposta de conquista de novos territórios com muito armamento, o que levou a região a um salto de belicosidade e virou um problema da segurança pública”, conta.
A liderança do grupo estava nas mãos de Luan Gomes Faria, o Kamu, integrante da facção criminosa Terceiro Comando Puro (TCP) e considerado o mais agressivo e voltado a ataques e conflitos. No final de 2023, ele e o irmão Gabriel Gomes Faria, o Buti, foram presos em operações policiais. Os dois se preparavam para promover um ataque a rivais do Bairro da Penha.
O comando passou para o terceiro irmão, Bruno Gomes Faria, o Nono, que fugiu para o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Lá, conta com o apoio de dois gerentes para “comandar” a facção a distância, ambos com mandados de prisão ainda não cumpridos, e escondidos na mesma cidade que Nono.
Um deles é Renan Freire Teotônio, o Carneiro, que coordena a distribuição e os envios de entorpecentes, armas de fogo, acessórios e munições para as regiões do TCP na Grande Vitória, e que envolve, além do Morro do Macaco, Engenharia, Conquista e Nova Almeida.
Segundo Romualdo, após as prisões, com a atuação mais frequente da Polícia Militar e a distância das lideranças, o tráfico foi enfraquecendo. O que fez com que migrassem para outras modalidades de crimes, como os roubos, praticados até pelos gerentes da facção.
E começaram a focar na prática de extorsões, segmento de atuação de Marcos Luiz Pereira Júnior, o MK, o segundo gerente de Nono. Mesmo à distância, ele fiscaliza empresas provedoras de internet instaladas nas pontos de influência do TCP e cobra pedágios de empresários, proprietários e administradores de empresas para atuarem em suas regiões.
O novo bairro
Os sobreviventes que foram levados para Feu Rosa, na Serra, não enfrentaram situação diferente, sendo também alvos da guerra do tráfico. O bairro, segundo o Censo 2022 do IBGE, é o segundo mais populoso da Serra, abrigando 17.897 pessoas.
De acordo com o chefe da Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Serra, delegado Rodrigo Sandi Mori, duas gangues dominam o território.
À coluna, policiais contaram que o bairro foi criado em uma área onde os registros de crimes eram mais frequentes, dada a proximidade com outras localidades do município que já enfrentavam problemas de violência. O que acabou se intensificando ao longo dos anos.
E no município que soma o maior número de homicídios, Feu Rosa sempre esteve entre os cinco onde mais se mata na Serra. “Há dois anos o número vem diminuindo em razão de diversas prisões que realizamos, inclusive de lideranças”, relata o delegado.
Vidas marcadas
Confira documentário sobre os 40 anos da tragédia que afetou a comunidade do Morro do Macaco:
- 1º Episódio - 40 anos da tragédia que marcou a história do ES
- 2º Episódio - Por onde andam os sobreviventes da tragédia
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