Há pelo menos um ano, o sistema prisional capixaba tem sido palco de disputas, brigas, greve de fome e até fugas. Aos fatos se juntam duas mortes ocorridas no último final de semana. Uma violência crescente que aparenta ser uma disputa entre facções criminosas. Mas as investigações revelam que o cenário pode ser diferente. Há indícios de que os grupos de faccionados estariam se mobilizando em prol de um interesse comum: garantir a destinação de alas, galerias e até presídios exclusivos para seus integrantes.
O Espírito Santo é um dos poucos estados no país que não promove a separação de facções no complexo penitenciário. Um argumento é de que por a medida em prática demandaria um maior número de vagas, em um sistema que já trabalha bem acima de sua capacidade.
Outro ponto é que manter os grupos em áreas distintas pode não garantir o fim dos conflitos, observou Rafael Pacheco, titular da Secretaria de Estado de Justiça (Sejus), que é responsável pela gestão dos presídios.
Ao ser questionado sobre o tema, ele lembrou de massacres prisionais recentes em presídios brasileiros, ocorridos mesmo após as facções estarem separadas. “Não abrimos mão da disciplina e do controle das unidades prisionais. É o Estado que decide para onde será encaminhado o detento”, assinala.
O que indicam as investigações
Refletindo o que acontece nas ruas, no complexo penitenciário capixaba existem dois grupos criminosos. De um lado o Primeiro Comando de Vitória (PCV), que tem alianças com Comando Vermelho. E os seus rivais, o Primeiro Comando da Capital (PCC), que atua em parceria com o Terceiro Comando Puro (TCP).
Os assassinatos envolveram integrantes das duas facções, praticados com várias perfurações de “chuços”, arma feita com vergalhão retirado das paredes. As vítimas eram do PCV, mortas por integrantes do PCC. O curioso é que em uma das celas, onde um dos crimes ocorreu, havia outros membros do PCV, que aparentemente nada fizeram para impedi-lo.
As investigações apontam que houve uma espécie de “sacrifício” em prol da causa que une as facções, a separação por grupos. Não houve revolta ou agitação dos detentos após as mortes, o que seria esperado. “Parece que houve acordo”, relatou uma fonte.
O suposto "acordo" aconteceu em algum momento entre a noite de sexta-feira (26) e a madrugada de sábado (27), em celas da Penitenciária de Segurança Máxima 1, localizada no complexo de Viana.
É uma unidade que tem sido palco de diversas ocorrências nos últimos meses, duas delas recebendo maior destaque: uma greve de fome dos detentos, que não foi bem sucedida; e a prisão do ex-diretor-adjunto, Rafael Lopes Cavalcanti Ribeiro, envolvido em um suposto esquema de corrupção de venda de “camisas”, ou postos de trabalho.
Lá também ocorreu a única experiência de separação de facções, implementadas por uma antiga direção, e que teria se iniciado na pandemia, em 2020. O que acabou sendo suspenso, segundo Pacheco. “Foi uma ação totalmente equivocada, posta em prática somente naquela unidade, e que já foi revertida”.
Foi com base nesta experiência que os presos começaram a reivindicar que ela fosse adotada em todas as unidades. Tema frequente nos vários catuques apreendidos, que são bilhetes trocados entre presos, com seus familiares ou advogados.
Facilidades
Para os que investigam o caso, há uma pressão para que haja a separação por facção, que tornaria mais fácil aos detentos manter o controle sobre os seus faccionados, organizarem suas atividades criminosas e até as negociações fora da cadeia, considerando a fase por elas vivida fora das muralhas.
As duas facções estão com seus comandos afetados após perderam lideranças importantes, presas em operações policiais. Fernando Moraes Pereira Pimenta, o Marujo, do PCV, foi enviado nesta segunda-feira (29) para presídio federal. Outros líderes históricos do grupo também tiveram o mesmo destino.
O Primeiro Comando da Capital (PCC) atua em parceria com o Terceiro Comando Puro (TCP), liderada pelos “Irmãos Vera”. Dos três irmãos, dois foram presos: Luan Gomes Faria, o Kamu; e Gabriel Gomes Faria, o Buti. Também perderam para a cadeia Maycon Rocha Cabral, o Maykon Meteoro. Além de outra liderança do PCC que atuava no Estado, presa em São Paulo, o Fernandes Soares de Andrade, o “Chapolin”.
E estão em guerra, principalmente em algumas cidades, disputando territórios. Para complicar a situação, há informações de que após serem presos, os Irmãos Vera estão conseguindo agregar mais faccionados, até nos presídios, muitos deles saindo das fileiras do PCV. Depoimentos de presos que assumiram as mortes do último final de semana relatam que por isto o PCC estaria sendo impedido, pelo PCV, de se reunir durante o banho de sol e até de se manifestar, o que levou às execuções.
O que pensam as famílias
Do lado de fora, os familiares se preocupam com os resultados dos conflitos, temendo pela morte de filhos, maridos e irmãos. E pressionam por mudanças. Advogados de alguns detentos também questionam se não é o momento de o governo estadual rever a decisão de manter juntos, na mesma cela, presos de facções diferentes.
Pacheco destaca que o Estado não reconhece facção como ente existencial e que este tipo de separação não é favorável aos presos. “Pertencimento a organização criminosa é crime permanente. Como aplicar medidas de ressocialização a um detento se o reconhecemos como eterno bandido?”, questiona.
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