Há pelo menos dois anos pescadores de Vila Velha aguardam o retorno dos barracões à Praia da Concha, localizada na Barra do Jucu. A reconstrução foi determinada pela Justiça estadual, mas não foi feita pela prefeitura da cidade. O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) decidiu mover uma ação para garantir o cumprimento da sentença.
Os módulos de pesca foram demolidos em 2007, por determinação da União, que informou ainda que eles seriam reconstruídos na área do Parque Natural Municipal de Jacarenema. Mas isto nunca aconteceu.
Em 2019, após doze anos de espera, o MPES moveu uma ação civil pública, cobrando a reconstrução das unidades. Dois anos depois a 2ª Vara da Fazenda Municipal sentenciou o município a realizar as obras. Uma decisão que foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) no ano passado.
“Concedo o prazo de um ano para a comprovação quanto à efetiva implementação das diligências, contado do trânsito em julgado, sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 5 mil até o limite de R$ 500 mil reais”, determinou o juiz Ubiratan Almeida Azevedo. O prazo venceu em 16 de agosto deste ano.
Mas segundo Marcelo Farich, presidente da Associação dos Pescadores Artesanais da Barra do Jucu (APABJ), nada mudou. “Até o momento não há perspectiva ou movimentação da prefeitura para construir nossos barracões”, relatou.
Execução
Em novembro do ano passado, a Promotoria de Justiça de Vila Velha enviou uma manifestação à Justiça, informando que o município havia desistido de recorrer contra a decisão. “Acatando o comando sentencial”, foi informado.
E pediu que a gestão municipal apresentasse o cronograma de ações para cumprimento da obrigação, de forma a atender o que havia sido determinado pela justiça. O que não foi feito.
Por nota o MPES informou que, diante dos fatos, “pediu à Justiça o cumprimento da decisão que reconheceu o direito dos pescadores tradicionais da Praia da Concha a ter um espaço para guarda do material utilizado para a pesca, bem como oficiou ao município de Vila Velha sobre o trânsito em julgado — quando não há mais recursos — do processo”.
Destaca a Promotoria que o município já não possui, em relação à construção dos módulos de pesca, liberdade de ação administrativa para não fazer a obra. “A determinação judicial quanto à construção dos módulos de pesca já não está na esfera de discricionariedade do poder público. Há cominação de multa para o caso de descumprimento da decisão”, informa.
Explica ainda que também comunicou aos pescadores sobre a decisão da Justiça e a eles foi entregue cópia da sentença. “O MPES aguarda agora que os pescadores apresentem um modelo de construção pensado para integrar o espaço, para que seja enviado ao município, que deve dar pleno cumprimento à decisão”.
O espaço e a tradição
De acordo com Marcelo Farich, os barracões garantem aos profissionais da pesca artesanal o espaço adequado para guardar os seus equipamentos.
“Hoje levamos para casa o que é possível carregar. Por falta de um espaço adequado para guardar o material, o que é mais pesado, como as redes, fica na praia. E é frequente que materiais, como redes, cordas e remos desapareçam”, relata.
Segundo Márcio Filgueiras, professor do Ifes e antropólogo, a própria empresa que fez o plano de manejo do Parque de Jacarenema, Environlink, reconheceu os pescadores como grupo tradicional e em função da presença deles recomenda a caracterização da Praia da Concha como Zona de Interesse Histórico e Cultural.
“Há documentos que datam de 1775 que citam que os escravos colocavam os tresmalhos no Morro da Concha. Há citações de relatos de viajantes do início do século 19 que fazem menção às casas dos pescadores no local. E os barracões são fundamentais para a reprodução social do grupo”, explica.
O relatório da Environlink explica que a pesca é uma atividade tradicional da Barra do Jucu. “O uso do território e dos recursos naturais da Praia da Concha pelos pescadores é fundamental para a reprodução socioeconômica e cultural desse grupo e é por meio desses usos que a identidade social dos pescadores é reconfigurada, fato esse evidenciado devido à continuidade desse grupo até os dias atuais”.
O que diz a prefeitura
Por nota, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico informou que está avaliando a construção dos barracões em conjunto com a Secretaria de Meio Ambiente, Secretaria de Obras e outros atores.
“A construção destes módulos de pesca no local onde foi requerido há alguns impedimentos legais, como, por exemplo, a área citada ser classificada pelo PDM como uma ZEIA (Zona Especial de Interesse Ambiental), local de ocorrência de erosões em momentos chuvosos por conta do relevo da região, dentre outras situações ambientais e urbanas que dificultam o pleito nos moldes como foi requerido inicialmente”.
Acrescenta que a gestão da cidade tem analisado a situação dos pescadores com “muita empatia, zelo, carinho e dedicação”. “Citamos, para ilustrar, a construção da Vila do Marisco e Pescado na Praia do Ribeiro, que entregou um importante espaço para os pescadores da região, e como está sendo desenvolvido a revitalização do Parque da Prainha que trará melhorias para os pescadores do local”.
Finaliza informando que os “povos tradicionais merecem a devida atenção, e será considerado o desenvolvimento econômico e cultural desta comunidade”.
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