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MPES quer prisão imediata para todos os condenados em júri desde 2020

A avaliação dos promotores acompanha o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), votado na última quinta-feira (12)

Vitória
Publicado em 16/09/2024 às 03h30
Júri após STF
Crédito: Arte - Sabrina Cardoso com Microsoft Designer

Após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir que a prisão após condenação em júri deve ser imediata, promotores do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) avaliam que o entendimento pode ser aplicado a todos os que foram condenados em julgamentos realizados a partir de 2020. E que estas pessoas devem ser presas.

Os ministros da corte federal chegaram ao novo entendimento sobre a prisão por maioria de votos (8 contra 3), na última quinta-feira (12), o que vem sendo contestado por advogados, que afirma que "inocentes podem ser presos de forma indevida" (veja abaixo). A decisão deve começar a valer a partir da publicação da ata de julgamento.

O prazo citado pelos representantes do MPES para as prisões dos que já foram sentenciados corresponde à data em que entrou em vigor — 23 de janeiro de 2020 —, o Pacote Anticrime. É o nome popular da Lei 13.964/2019, alvo da avaliação do Supremo. Ela condicionava que só poderiam ser presos após o  júri os que fossem condenados a 15 anos ou mais de reclusão, o que foi agora mudado.

Era uma exigência que, segundo o presidente do STF e relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, “era incompatível com a Constituição Federal", por relativizar a soberania do júri”. Disse ainda que a prisão imediata "não viola o princípio constitucional da presunção de inocência, porque a culpa do réu já foi reconhecida pelos jurados", segundo informações do site da corte.

O promotor Rodrigo Monteiro, que atua no Tribunal de Júri de Vitória, explica que o STF fez uma interpretação conforme a constituição. “Em razão desta interpretação, aplica-se a medida agora em qualquer pena”.

E como a lei anticrime está em vigor, assinala Monteiro, os julgamentos feitos nos últimos 4 anos em que réus foram sentenciados a prisão, poderão ser alcançados pelo novo entendimento do STF. “Cito o caso dos júris do ano passado, por exemplo, em que houve condenações, e a prisão dos réus deverá agora ser decretada”.

Ele explica que a lei não está retroagindo para prejudicar os condenados. “A  lei existe, está em vigor desde 2020. E se ela está válida,  tem que prender os réus condenados que estão soltos. Em todo o Brasil vários colegas já estão fazendo os pedidos de prisão e nós também vamos agir”, explicou.

“Desrespeito com a vítima”

Segundo Monteiro, um réu ser condenado e não preso é “uma ofensa à democracia”. Já trabalhei em vários julgamentos nos quais, após a condenação, o réu saía solto, pela porta da frente. Isso representa uma afronta aos jurados, à vítima, aos familiares e à sociedade em geral”.

Com ele atuou, também no Tribunal do Júri de Vitória, o promotor Leonardo Augusto de Andrade Cezar dos Santos, hoje presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público (AESMP). Ele assinala que o Judiciário não pode colocar a presunção de inocência acima da soberania popular. “O artigo primeiro da constituição fala que todo poder emana do povo. O júri é o povo, é a soberania popular”.

Outro ponto, segundo Leonardo, é que não se pode esquecer dos direitos das vítimas nos processos. “O réu merece ter seus direitos respeitados, assim como a vítima, cujos direitos não podem ser ignorados, desprezados. O processo penal tem que defender a vítima. No crime ela foi a única que atuou sem nenhum tipo de vontade. E é totalmente esquecida no processo”, pondera.

Monteiro destaca ainda que nos últimos quatro anos o Brasil enfrentou uma onda de mais de 200 mil homicídios. “É preciso dar uma resposta a esse mar de sangue. Não vislumbro ofensa à presunção de inocência, eis que estamos diante de uma escolha da própria sociedade, tomada por meio do Congresso, espaço adequado para o debate democrático”, diz ao se referir ao pacote anticrime.

Acrescenta que a lei trouxe situações que relativizam a prisão imediata, para os casos em que o tribunal verifica a possibilidade de revisão da condenação.

“Não há democracia real”

O novo entendimento do STF não encontra respaldo entre os advogados. Anderson Burke, presidente da Comissão de Advocacia Criminal e Política Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Espírito Santo (OAB-ES), é um dos que discorda da decisão.

Destaca que é preciso respeitar o princípio da presunção de inocência e a preocupação com a “ausência de conhecimento técnico dos jurados na matéria do Direito”.

“A chance de que ocorra algum erro por julgamento contrário à prova dos autos (processo) é consideravelmente mais alta do que um julgamento que seria realizado por um magistrado com formação em Direito e aprovado em rigoroso concurso público”.

Afirma ainda que o argumento da democracia através do julgamento dos 7 jurados “é uma falácia”. “Pesquisas empíricas já constataram que a composição da lista de jurados não reflete a grande miscigenação social e cultural brasileira, pois grande parte são funcionários públicos municipais e estaduais. Não há uma democracia real”, pontua.

O criminalista e professor de Processo Penal, Rivelino Amaral, avalia que “o STF teria rasgado a Constituição para determinar a prisão imediata de pessoas condenadas pelo Tribunal do Júri”, destacando que ignoram as várias etapas do processo e dos recursos que a própria lei assegura.

“A condenação pelo júri, embora seja uma decisão de primeiro grau, não encerra o processo judicial. Há um longo caminho de recursos que pode levar à anulação da sentença, como ocorre em muitos casos, ou a modificação da pena. A decisão de prender imediatamente alguém que ainda tem o direito de recorrer representa um grave desserviço à justiça e também à sociedade”.

Ele destaca ainda que as prisões são medidas extremas e de exceção, que impactam não só a vida do condenado, mas também a de seus familiares, com repercussões permanentes.

“A execução imediata da pena, sem esgotar os recursos cabíveis, pode resultar em uma situação em que pessoas inocentes, ou cuja culpa ainda não tenha sido comprovada, sejam presas de forma indevida. E quem, afinal, reparará os danos causados a essas pessoas, caso se comprove que a sentença foi injusta?”

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