Aqui você encontra conteúdos exclusivos sobre segurança, justiça e cidadania, com informações que impactam a vida das pessoas e da cidade

Os casos de 4 mortos que levaram juiz a ser investigado pelo MPES

Ações envolvem pessoas falecidas de outros Estados, como Minas Gerais e São Paulo, e  uma ex-pensionista do Tribunal de Justiça do Amazonas

Vitória
Publicado em 15/08/2024 às 03h30
juízes
Crédito: Sabrina Cardoso com microsoft designer

Quatro ações foram utilizadas como indícios, pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), de que o juiz Maurício Camatta Rangel teria concedido sentenças e autorizado a liberação de recursos milionários a integrantes de uma suposta organização criminosa que visava valores deixados como herança. Os casos resultaram em saques que totalizaram R$ 8.268.545,99.

As informações estão em pedido feito à Justiça estadual para que o magistrado, mais cinco pessoas e uma empresa fossem incluídas na lista dos investigados (veja abaixo). O documento assinado pelo procurador-geral de Justiça, Francisco Berdeal, aponta “elementos indiciários” de “possível negociação de decisão judicial e suposta prática de crime contra a administração pública”.

É dito que o juiz agiu “com aparente celeridade”. E que nos quatro casos decorreram de 8 a 32 dias de prazo entre o início das ações até a homologação dos supostos acordos e a liberação dos alvarás para saques. “Proferia sentenças favoráveis, bem como expedir alvarás para levantamento de valores vultosos aos demais integrantes da organização criminosa”, informou Berdeal.

Maurício Camatta Rangel foi um dos alvos da Operação Follow the Money (Siga o dinheiro), realizada pelo MPES no dia 1º de agosto. Ele foi afastado de suas funções e está usando tornozeleira. Outro juiz, Bruno Fritoli Almeida, foi preso e também afastado de suas atividades. Houve prisões de advogados e monitoração eletrônica para outras pessoas. 

Bruno perdeu o cargo por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 8. Os advogados dos investigados aguardam a conclusão das investigações para se manifestarem  sobre a defesa de cada um deles (veja abaixo).

As ações envolvem casos de pessoas falecidas até de outros Estados, como Minas Gerais e São Paulo, e de uma ex-pensionista do Tribunal de Justiça do Amazonas. Os herdeiros e até a Corte do Estado do Norte recorreram pedindo a devolução do dinheiro.

As vítimas foram escolhidas pelos valores que possuíam em suas contas bancárias. Durante o processo, eram feitos acordos entre as partes, homologados pelo juiz, e na sequência era feito o bloqueio dos valores e depósito na conta dos investigados. Confira os casos:

1 - “Acordo” com morto de MG

Trata-se da cobrança de parcelas vencidas de um suposto contrato assinado em abril de 2015. A ação foi iniciada em 24 maio de 2021, quando o valor cobrado já alcançava R$ 2.292.875,00.

Segundo o MPES, 16 dias após o início da ação foi homologado pelo juiz Camatta Rangel o acordo entre as partes, informando que o valor pertence a Victor Hugo de Mattos Martins e que deveria ser depositado na conta do advogado Ricardo Nunes, ambos investigados.

Ocorre que o valor pertencia a José Alves Mageste, que residia em Caratinga (MG). Os advogados do espólio informaram que ele havia falecido em 12 de dezembro de 2020, quase seis meses antes do suposto acordo, que apontaram "ser fraudulento" e que havia nas ações "diversos indícios de fraude".

Em agosto de 2021 foi assinado um outro acordo com Ricardo e Victor Hugo, o último se comprometendo a devolver o dinheiro em duas parcelas. E que foi novamente homologado por Camatta Rangel.

2 - Cobrança de dívida de falecido

Este é um caso de cobrança por serviços que teriam sido executados para Gilda Maria Reis Crockatt de Sá, em 2015, cuja dívida alcançava R$ 3.070.570,79. Processo iniciado em 2021 por M.Pansini Junior ME (de Mauro Pansini Júnior).

Oito dias depois, segundo o MPES, o dinheiro foi liberado para Sintecstone Fabricação de Móveis Ltda. e para o advogado Vicente Santorio Filho. A empresa tem como sócio administrador Luiz Antonio Esperandio, sogro de Ricardo Nunes de Souza.

Na sequência, o espólio de Gilda informou que ela havia morrido em 2016, seis anos antes do suposto acordo. Os envolvidos no esquema fizeram novo acordo se comprometendo a devolver o dinheiro em três parcelas, o que não aconteceu. A situação só foi resolvida em abril deste ano.

3 - Venda de granito a morto de SP

Este caso envolve uma pessoa que morava em São Paulo: Waldemar Vettore. A ação, iniciada em 2021, é de autoria de Veldir José Xavier,  que dizia ter feito contrato de venda de granito em 2019, não pago, e cuja dívida alcançava R$ 1.799.415,10. Era representado pelos advogados José Joelson Martins de Oliveira e Sergio Luiz Laiber.

Em 32 dias de tramitação, o acordo entre as partes foi confirmado e o depósito feito na conta de Veldir. Período, segundo o MPES, que inclui o recesso do Judiciário.  Em 2022, o espólio de Waldemar Vettore pediu o desarquivamento do processo e ainda não há decisão sobre o caso.

4 - Dinheiro pertencia ao Tribunal do Amazonas

Uma empresa de nome Xavier Mineração Granito Eireli moveu ação cobrando pagamento de parcela não paga na compra de 265m³ de granito amarelo, em contrato firmado em março de 2014. A dívida era de R$ 1.105.685,10.

A suposta devedora era Diva da Silva Souza, viúva, funcionária pública aposentada e moradora de São Paulo. No processo há um suposto acordo entre ela e a empresa, por intermédio do advogado Gabriel Martins de Oliveira, para pagamento da dívida. E como ele não foi cumprido, Camatta Rangel autorizou o bloqueio dos recursos 26 dias após o início da ação. O valor foi para o sócio-administrador da empresa, Veldir.

O problema é que Diva morreu em maio de 2014, oito anos antes da ação e do suposto acordo. E mais, a corregedora-geral de Justiça do Tribunal do Amazonas, Nélia Caminha Jorge, informou que a mulher era ex-pensionista daquela Corte e que a pensão continuou sendo depositada indevidamente até o ano de 2018. E pediu a devolução do dinheiro.

Houve nova decisão de Camatta Rangel para que o valor fosse devolvido. Veldir fez proposta à Procuradoria Geral do Amazonas para parcelar o valor em duas vezes, mas ainda não tinha recebido a concordância.

É relatado que outras duas ações que foram direcionadas para outras varas que não a de Camatta Rangel, onde os processos receberam tratamento diferente, sendo extintos.

Transferência de recursos

No documento do MPES foram apresentadas movimentações financeiras que teriam ocorrido entre Luam Fernando Giuberti Marques, Camatta Rangel e seu genro, Bernardo Azoury, indicando indícios de que “supostamente auferiram vantagem pecuniária indevida”.

Foi apontada a possível prática de crimes como organização criminosa, lavagem de capitais, corrupção ativa, corrupção passiva, fraude processual, falsificação de documento público e particular e falsidade ideológica.

Na operação, foram alvo de prisão: o ex-juiz Bruno Fritoli Almeida; os advogados José Joelson Martins De Oliveira, Ricardo Nunes De Souza e Vicente Santório Filho; dos empresários Mauro Pansini Junior e Veldir José Xavier; e do servidor público exonerado Victor Hugo de Mattos Martins.

Receberam medidas restritivas, com o uso de monitoramento eletrônico (tornozeleira): o médico Bernardo Azoury Nassur; os advogados Carlos Henrique de Oliveira Dantas, Diogo Machado Coelho Rangel, Gabriel Martins de Oliveira; Hayalla Esperandio, Luam Fernando Giuberti Marques, Luana Esperandio Nunes de Souza, Luiz Antônio Esperandio; e o juiz Maurício Camatta Rangel.

O que dizem as defesas

O advogado Ludgero Liberato, que faz a defesa do juiz Mauricio Camatta Rangel, informou que, em razão do segredo de justiça, irá se manifestar, “nos autos do processo, no momento oportuno, e que tudo será devidamente esclarecido”.

Douglas Luz, que faz a defesa de Luam Fernando Giuberti Marques, reitera a “total improcedência das acusações equivocadamente aventadas” em desfavor do seu cliente.

“Seguimos acreditando que os fatos serão devidamente esclarecidos e que, acima de tudo, o investigado sequer será denunciado, principalmente diante dos últimos andamentos processuais que afastam de forma inequívoca qualquer ilação com relação ao nosso patrocinado sobre os fatos em apuração”.

Rafael Lima, que representa o ex-magistrado Bruno Fritoli Almeida, informou na última semana que seu cliente esclareceu todos os pontos da acusação em depoimento à Justiça.

“Ele relatou que não há motivos para a sua prisão, considerando que os dois depoimentos que justificaram a decisão (de prisão) foram de desafetos que já haviam feito denúncias à Corregedoria e que foram arquivados”. E ainda que está "confiante da índole de Bruno durante sua carreira no Judiciário"

Homero Mafra, que assumiu a defesa de Victor Hugo, informou que está analisando as informações do processo.

A defesa dos demais investigados não foi localizada. O espaço segue aberto para manifestações.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.