
Nos primeiros dias de março de 2020 as atenções do mundo estavam voltadas para a pandemia de Covid, recém decretada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas no Espírito Santo outra crise, na área de segurança pública, capturou a atenção do governo estadual: o crescimento do número de homicídios. Em um final de semana, considerado o mais violento, 13 pessoas foram assassinadas.
O agravamento do quadro levou o governador Renato Casagrande a demitir duas das principais lideranças do setor na ocasião: o líder da Polícia Militar, o coronel Márcio Sartório Eugênio, e o secretário de Segurança Pública, Roberto Sá.
O comando da PM passou para as mãos do coronel Douglas Caus, que há cinco anos se mantém na liderança da corporação.
A secretaria, na ocasião, foi assumida por outro militar, o coronel Alexandre Ramalho. Nos anos que se seguiram o cargo foi ocupado por outros três nomes, o último deles é o atual gestor, oriundo da Polícia Federal, Leonardo Damasceno.
A crise
Naquele mês de março 140 pessoas tiveram as suas histórias encerradas, segundo dados da Secretaria de Segurança (Sesp). Um aumento de 63% em comparação com março do ano anterior. Foi ainda o segundo maior registro de homicídios em um só mês. Algo semelhante semelhante só havia acontecido quatro anos antes, na greve dos policiais militares, em fevereiro de 2017, quando 226 pessoas foram mortas.
Roberto Sá, que veio do Rio de Janeiro, assumiu a pasta em 2019. Trazia a experiência de ter ocupado cargo semelhante no Rio de Janeiro, entre o fim de 2016, com a exoneração de José Mariano Beltrame, e fevereiro de 2018, com o início da intervenção federal na segurança pública naquele Estado.
No primeiro ano de sua gestão, 2019, havia conseguido reduzir o número de homicídios do ano para menos de mil mortes, com queda de 11,8% em relação ao ano anterior. Mas as adversidades dos primeiros meses de 2020 mudaram o cenário por completo.
As confusões
Em meados de fevereiro, os conflitos internos entre traficantes do Bairro da Penha, na Capital, levaram pânico para moradores de vários bairros da Grande Vitória. Bandidos encapuzados pararam carros na Avenida Leitão da Silva, uma das principais da cidade, e apedrejaram três veículos. Um ônibus também chegou a ser incendiado.
Conflito causado pelas disputas entre facções, com destaque para o grupo criminoso Primeiro Comando de Vitória (PCV), atuante no Bairro da Penha e bairros vizinhos. Os reflexos foram sentidos em alguns bairros na Serra e em Cariacica, onde foram dadas ordens de toque de recolher.
No primeiro trimestre de 2020, 344 pessoas foram assassinadas. Um crescimento de 21,5% em relação ao mesmo período do ano anterior. A primeira semana de fevereiro daquele ano mostrou os sinais do agravamento, com treze mortes em um final de semana, dez delas em um domingo.
Um mês depois a situação se repetiu, gerando o ponto alto da crise, no final de semana de 7 e 8 de março, com 13 assassinatos. Dias depois as trocas de poder foram anunciadas. Os crimes ocorreram em Cariacica, cidade que à época contava com o reforço da Força Nacional de Segurança, na Serra, Pinheiros (Norte) e Laranja da Terra (Noroeste).
Na ocasião, Roberto Sá justificou que no período de isolamento social pelo coronavírus passou a haver uma maior circulação de criminosos nas ruas, o que ficou demonstrado inclusive pelo aumento nas apreensões de armas de fogo na Região Metropolitana. E ainda que também estava havendo aumento nas estatísticas no Rio de Janeiro, Santa Catarina, Pernambuco, Ceará, Tocantins.
A mudança
Caus informa que ao assumir, naquele momento, haviam dois grandes desafios: manter a saúde dos policiais militares e controlar a criminalidade. “Éramos um serviço essencial, não poderíamos parar, nós tínhamos naquele momento um crescimento das facções criminosas”, relata.
Com a pandemia, conta, os grupos criminosos começaram a se sentir mais confortáveis. “Foram necessárias várias operações e foi preciso ainda remodelar a nossa engenharia operacional. Na ocasião as facções tinham domínio sobre as comunidades, hoje elas possuem áreas de atuação”.
Para virar essa chave, relata, foi preciso enfrentamento. “Com participação das forças de segurança, Polícia Civil, guardas municipais, conseguimos passar um recado claro de que as ações da criminalidade não seriam toleradas”.
Houve ainda a contenção de centenas de bailes mandelas que eram realizados principalmente nos finais de semana. “Neste caso as ações foram preventivas. Antes do baile acontecer, nossa inteligência detectava, ocupávamos a região e o baile não acontecia. Quando acontecia, nós fazíamos a operação junto com a prefeitura local responsabilizando quem organizava o baile. Tivemos embates, conflitos, não foi fácil. Mas com o tempo se mostrou que a ação era correta e eficaz. Hoje poucos são realizados”.
Mas há o lado positivo do período da pandemia, explica o comandante. Foi o momento em que a administração aproveitou para reorganizar e estruturar a instituição. “Nos voltamos para o futuro, com foco no serviço a ser oferecido para a sociedade capixaba, no enfrentamento da criminalidade e no crescimento das facções. Era o que apontava a nossa radiografia. No serviço público nada é rápido, então aproveitamos o momento para reformas administrativas, preparação de concurso, licitações de compras materiais, um momento de muito trabalho interno, pensando no futuro”.
O problema mais grave, observa, era o efetivo reduzido. “Nos últimos anos o governador autorizou a realização de concursos e estamos recompondo o nosso quadro de pessoal. Lançamos mão ainda da escala ISEO, uma gratificação extra aos policiais que trabalham em suas folgas. Saímos de R$ 5 milhões para R$ 72 milhões, o que nos permitiu colocar mais policiais nas ruas, treinados. Foram 650 policiais a mais. Investimentos que têm tido repercussão no combate à criminalidade."
Ao longo dos últimos anos, as pastas de Segurança Pública e a da Justiça — responsável pela gestão dos presídios —, receberam investimentos técnicos e de ampliação de seus quadros, com a realização de concursos públicos. Foram criadas as polícias técnica científica e a penal. As prefeituras também investiram em suas guardas municipais.
Dezenas de operações foram realizadas no período, ocasionando a prisão de lideranças de grupos criminosos. Entre elas a do Fernando Moraes Pereira Pimenta, o Marujo; e a dos irmãos Luam Gomes Faria, o Kamu, e Gabriel Gomes Faria, o Buti; do Primeiro Comando de Vitória (PCV) e do Terceiro Comando Puro (TCP), respectivamente.
No final de 2024, o Estado conseguiu fechar o ano com 852 homicídios, o menor patamar na série histórica desde 1996, segundo dados do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).
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