Na madrugada do último domingo (7), duas pessoas foram condenadas pelo Tribunal do Júri de Vitória a penas de 20 e 22 anos a serem cumpridas em regime fechado. Após a leitura da sentença, elas deixaram o Fórum Criminal da Capital e seguiram para suas casas, já que foi permitido que permaneçam em liberdade enquanto recorrem contra a decisão.
Gilvana Pires Pereira Tesch e Remi Pereira dos Santos, foram julgados pelo assassinado do empresário Arnaldo Tesch, ocorrido em 2012. Os dois responderam ao processo em liberdade e a defesa deles adiantou que irá recorrer contra a condenação, assinalando que o resultado do julgamento “vai contra as provas existentes no processo”.
Mas por que pessoas condenadas não são presas logo após o julgamento? A discussão, segundo o advogado criminalista Fábio Marçal, envolve uma alteração promovida no Código de Processo Penal no ano de 2021. Ela estabelece que os réus que, em júri popular, receberam condenações iguais ou superiores a 15 anos, devem ter decretada a imediata prisão.
Foi com base neste argumento que o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) pediu que os réus Gilvana e Remi fossem levados ao presídio para iniciar o cumprimento da pena. “É uma medida que está prevista no art. 492, I, “e” do Código de Processo Penal, quando o magistrado deverá decretar a imediata prisão, como forma de prestigiar a soberania dos veredictos dos jurados”, informou em nota.
Mas a constitucionalidade desta alteração vem sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). A discussão do tema chegou a conquistar a maioria de votos da Corte, quando estava sendo debatida de forma on-line, no sentido de que a norma deveria ser cumprida por todos, com voto do presidente da Casa, que é o relator do processo, ministro Roberto Barroso.
Em recurso especial sobre o assunto, Barroso afirmou que o “sujeito não pode matar alguém, ser condenado pelo júri e continuar morando na mesma casa, na mesma comunidade da vítima. É uma vergonha, uma afronta ao senso mínimo de justiça de qualquer pessoa. A justiça, eu penso, está para a alma, como a alimentação está para o corpo”.
Mas o voto do ministro Gilmar Mendes, acabou levando a discussão do debate para o plenário da casa de forma presencial. Em sua manifestação ele disse que a presunção de inocência é "regra". "Ninguém pode ser punido sem ser considerado culpado; ninguém pode ser preso sem ter a sua culpa definida por ter cometido um crime; não se pode executar uma pena a alguém que não seja considerado culpado", votou. No site do STF, o processo não tem novas movimentações desde novembro do ano passado.
Na decisão do caso de Vitória, o presidente do Tribunal do Júri, o juiz Carlos Henrique Rios do Amaral, seguiu linha semelhante. Citou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que o ministro Sebastião Reis Júnior assinala que a execução da pena antes do trânsito em julgado fere o princípio constitucional da presunção de inocência.
Por nota, o MPES observa que em seu entendimento, “enquanto não houver declaração expressa de inconstitucionalidade da norma prevista no art. 491, I, “e”, do CPP, é dever de todos cumprir os comandos legais”. E acrescenta que “a ausência de efetividade das condenações do Tribunal do Júri representa inequívoco desprestígio ao povo e à democracia”.
Os extremos
O criminalista Marçal destaca que antes mesmo da mudança na legislação, já houve casos em que o réu sentenciado saiu preso após o encerramento do júri. E cita como exemplo o julgamento de Luiz Claudio Ferreira Sardenberg, realizado em novembro de 2020. Ele foi condenado por homicídio a 23 anos e 3 meses de prisão pelo assassinato da ex-namorada Gabriela Chermont, em Vitória.
“Entendo a decisão do magistrado no julgamento do último domingo (7), mas para a família a sensação é de impunidade. Foram condenados pelo crime, mas não cumprem a pena. E um deles pode nem chegar a cumprir, considerando que tem mais de 70 anos”, pondera.
Outro ponto, segundo ele, é que esta situação revela os extremos da justiça no Brasil. “De um lado temos réus condenados, com penas expressivas, e com direito a recorrer em liberdade. Do outro, pessoas que lotam as cadeias, permanecem presas desde o início do processo, e sem terem enfrentado um julgamento”.
Relata o caso de um cliente, que após ser ameaçado várias vezes por um agente do tráfico, reagiu, o que acabou resultando na morte do autor das ameaças.
“Permanece preso desde o início das investigações. Era um entregador de marmita, pobre, que cuidava da filha autista. Hoje está em um presídio lotado, dormindo ao lado de uma privada esperando há mais de um ano pelo julgamento. Então, como as decisões da Justiça valem para uma pessoa e não para outra. A presunção de inocência tem que valer para todos”, pondera.
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