Um relatório da Promotoria de Justiça da Defesa da Mulher de Vitória aponta problemas na chamada “Sala Maria”, espaço na delegacia regional da Capital destinado a mulheres em situação de violência doméstica e familiar, nos horários de plantão. A promotora que visitou o local, junto com uma juíza, relata que o atendimento, na forma como vem sendo feito, “revitimiza, expóe e desestimula as mulheres a denunciarem”.
O problema ocorre quando a mulher procura a unidade policial para denunciar uma situação de agressão. Ela é ouvida em um ambiente do plantão policial, onde está sendo atendido todo tipo de ocorrência. Tem que fazer o relato de situações que envolvem sua privacidade e da família na frente de pessoas que prestam depoimento por outros crimes, inclusive casos de menores em conflito com a lei.
No momento em que a promotora e a juíza visitavam o local foi flagrada uma situação onde uma mulher relatava a violência que estava sofrendo, situações da sua vida privada. Ao mesmo tempo, era feito o registro de ocorrência por suposto furto de carne em supermercado, ambos na mesma sala, sem privacidade para os casos.
Longa espera
Há ainda a longa espera para ser atendida via teleflagrante, que chega a um tempo médio de três horas, sem prioridade. “A fila de atendimento e realização das oitivas serão realizados na ordem demandada na Central de Flagrantes de todo o Estado, após o acionamento pela equipe”, é informado no relatório.
Mas as dificuldades começam antes mesmo de chegar ao novo espaço. Não há placas informando para onde elas devem se dirigir em busca de atendimento. A promotora e a juíza encontraram uma mulher na rua em frente à delegacia, buscando informações. “Sendo encaminhada a um portão anexo, o qual se encontrava fechado com cadeado, tendo a necessidade de se chamar em voz alta por atendimento”, informa o relatório.
Para muitas mulheres, o primeiro passo para mudar uma situação de agressão ocorre quando ela decide ir a uma delegacia, daí a importância dela receber um atendimento humanizado. E muitos destes casos ocorrem à noite. “A forma como o atendimento está sendo feito neste espaço revitimiza, expõe e desestimula as mulheres a denunciarem a violência que sofrem em casa”, pondera a promotora.
Ela avalia ainda que o projeto do Governo do Estado, inaugurado no final de março, não segue o previsto na Lei 14.541/2023, que estabelece o funcionamento ininterrupto de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam), ou seja, que os plantões sejam feitos nestes locais.
“Há violação quando se tenta fazer um atendimento diferente do exigido na lei. Não justifica ter delegacia da mulher e jogar o plantão em outra unidade, misturado a várias outras ocorrências”, observa a promotora de justiça Sueli Lima e Silva.
O Relatório técnico de visita institucional à "Sala Maria", assinado ainda pela juíza Brunella Faustini Baglioli, relata visita feita à 1ª Delegacia Regional de Vitória, localizada na Ilha de Santa Maria, em 23 de abril e sem que fosse agendada.
Foi enviado para vários setores que representam a defesa da mulher, como as secretaria de Estado da Segurança (Sesp) e a da Mulher; Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres (Nevid), do MPES; Procuradoria Geral de Justiça; Ordem dos Advogados (OAB-ES), Comissão de Direitos Humanos; além de parlamentares.
Mudança
Até o final de março deste ano, as mulheres que precisavam fazer um boletim unificado sobre uma ocorrência de violência doméstica e familiar, fora dos horários comerciais, eram direcionadas para a Capital, onde eram atendidas no Plantão Especializado da Mulher (PEM), responsável por todos os casos da Grande Vitória.
Em abril do ano passado o governo federal sancionou a Lei 14.541, estabelecendo a atendimento ininterrupto de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam), voltado aquelas que tenham sido vítimas de violência doméstica e familiar, crimes contra a dignidade sexual e feminicídios, e funcionando ininterruptamente, inclusive em feriados e finais de semana.
No Espírito Santo foi adotada uma medida diferente. Optou-se por criar as chamadas “Salas Marias”, nas delegacias de cada cidade da Grande Vitória, para o plantão. O que foi um avanço, para além dos problemas, ao garantir o acesso mais próximo da casa das vítimas. Mas em Vitória ela se transformou em uma "sala de espera" até que a mulher seja chamada para ser ouvida pelo teleflagrante.
O que diz o Estado
A gerente de Proteção à Mulher, que atua na Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), Michelle Meira Costa, reconhece a situação da unidade de Vitória e os problemas que enfrenta, assinalando que é uma condição temporária. “A unidade que abrigará em definitivo a Sala Maria de Vitória está em obras, o espaço atual onde as mulheres estão sendo atendidas é provisório”, informa.
Ela explica que o atendimento nos demais municípios é oferecido de forma diferente, respeitando a privacidade para todos os atendimentos, incluindo aqueles oferecidos à mulher. “Em Vitória, no momento, foi o espaço que a Polícia civil conseguiu, embora não seja a estrutura mais adequada para as mulheres, assim como para as demais vítimas de outros crimes e policiais”, relata.
Os problemas apontados no relatório, informa a gerente, vão ser solucionados assim que as obras da nova unidade regional forem concluídas, o que está previsto para dezembro deste ano.
Em relação a demora no atendimento do teleflagrante, explica que há um trâmite a ser seguido desde o momento que a mulher chega à delegacia, etapas que incluem o trabalho dos policiais militares e civis, antes de ser iniciado efetivamente a entrevista com a vítima. “É um serviço público que trabalha de forma emergencial, com demandas de todo o Estado. O prazo para toda a tramitação, às vezes pode ser mais rápido, em outras vezes não”, explica.
Michelle avalia que o Estado está cumprindo a Lei 14.541, ao oferecer atendimento especializado para as vítimas, com espaço humanizado e servidores e que conseguem articular a rede socioassistencial dos municípios.
“É oferecido atendimento adequado, com policiais que têm capacitação, garantindo o que não era feito antes, que as mulheres atendidas no plantão sejam encaminhadas para atendimento socioassistencial”, relata, acrescentando que o Estado é um dos poucos que conta com dois assistentes sociais no quadro de funcionários da Polícia Civil.
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