Seis anos após o resgate de 60 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão em uma propriedade rural dedicada ao cultivo do café, o proprietário da fazenda foi condenado pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT da 17ª Região) ao pagamento de R$ 1,8 milhão. O valor refere-se ao pagamento dos salários e verbas rescisórias dos trabalhadores; indenização para cada um deles e ainda por dano coletivo.
As irregularidades foram identificadas na propriedade localizada em Pinheiros, Norte do Espírito Santo. A condenação inclui ainda que o fazendeiro terá que fazer o registro e a assinatura das carteiras dos trabalhadores.
Além da penalização financeira, a juíza Veronica Ribeiro Saraiva, da Vara do Trabalho de São Mateus, determinou a inscrição de Daniel Mageste Lessa, proprietário da Fazenda Córrego do Ouro, no cadastro negativo de empregadores que submetem trabalhadores a condições análogas à de escravo.
A juíza informa que a chamada “lista suja do trabalho escravo” foi criada pela Portaria Interministerial 4/2016, dos extintos Ministérios do Trabalho e Previdência Social e das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos.
Em sua sentença ela relata que os fatos ocorreram em pleno Século XXI e que os "princípios da dignidade humana e da valoração do trabalho, ambos fundamentos da República brasileira (artigo 1º, III, e IV, CF/88B) impõem repulsa ao trabalho escravo em todas as suas formas, haja vista que o trabalho humano não é uma mercadoria”.
Acrescentou que documentos presentes no processo demonstram que o fazendeiro violou as regras trabalhistas. “Os deixaram às margens do direito mais básico de um empregado que é o registro do contrato de trabalho na Carteira de Trabalho (CTPS)”, disse a juíza.
Daniel Mageste Lessa é filho da deputada estadual Raquel Lessa (PP) e já recorreu contra a sentença (veja abaixo). Parte do valor da multa a ser paga por ele, cerca de R$ 500 mil por dano coletivo, será destinada ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Também foi determinado o pagamento de R$ 20 mil por danos morais individuais para cada um dos trabalhadores identificados, devido às condições degradantes a que foram expostos, além das verbas rescisórias e de salários em atraso.
A ação e o resgate
A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) após fiscalização dos auditores do trabalho que localizaram, em 2018, o grupo de trabalhadores que viviam e trabalhavam em situação degradante.
Na ocasião foram feitos 20 autos de infração por irregularidades variadas. Entre elas estão:
- Não havia camas para os trabalhadores, apenas colchonetes trazidos por eles e quem não tinha, dormia no chão
- Não foram fornecidas roupas de cama e os alojamentos não contavam com lixeira
- Não tinha chuveiro. A água para banho saía de canos nas paredes
- Não havia filtro para a água potável, que era consumida diretamente da torneira
- Os trabalhadores faziam as refeições embaixo dos pés de café ou dentro do ônibus
- No local não havia sanitário adequado, não era oferecido papel higiênico, água limpa, sistema de esgoto, fossa séptica ou similar, coleta de lixo
- Trabalhadores estavam sem carteira de trabalho assinada e exame médico admissional
- Foram encontrados trabalhadores menores de 18 anos, e eles ainda atuavam em atividades perigosas
- Não era fornecido Equipamento de Proteção Individual (EPI)
- Sonegação do pagamento de verbas rescisórias, admissão de empregados sem livro de registro, sem carteira assinada
- Não havia abrigo para os trabalhadores em dias de chuva
- Não havia recolhimento fiscal e previdenciário
Por decisão da Justiça do Trabalho, todas as irregularidades apontadas pelo MPT vão ter que ser sanadas pelo fazendeiro.
A investigação identificou que a maior parte dos trabalhadores eram provenientes de várias localidades, inclusive de outros estados e que foram para o local trabalhar na lavoura de café. Recebiam entre R$ 10 a R$ 14 por saca de café.
Na decisão a juíza aponta que o proprietário da fazenda tinha conhecimento dos fatos identificados pelos fiscais do trabalho, considerando que Daniel “semanalmente comparecia no local para verificar os serviços”.
Em outro ponto acrescenta: “Restou cristalino que o réu proprietário da Fazenda Córrego de Ouro tinha conhecimento das péssimas condições de trabalho a que sujeitavam os trabalhadores resgatados durante a fiscalização promovida pelos fiscais de trabalho”.
O que diz a defesa
O advogado que faz a defesa de Daniel Mageste Lessa não retornou a demanda da coluna. O espaço segue aberto para a manifestação. No site do TRT há informações de que ele já apresentou recurso contra a decisão.
Na sentença é informado que Daniel contestou o pedido de dano moral coletivo sob o argumento de que não pode ser responsabilizado pelas condições degradantes de trabalho.
Disse também que contratou uma empresa terceirizada para fornecer a mão de obra e todos os insumos necessários, incluindo alojamento, e que não tinha conhecimento das más condições em que viviam os trabalhadores. “E que, se soubesse, não as teria permitido”, é dito na decisão.
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