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Uma casa lotérica, localizada no Rio de Janeiro, foi utilizada pelos traficantes para a lavagem do dinheiro das extorsões praticadas em bairros de Vitória. Só nesta unidade foram encontradas movimentações que superam os R$ 27 milhões em depósitos, e o mesmo valor em saque, em um período de seis meses. O que foi considerado uma evidência de que são contas de passagem de valores ilícitos.
Chamou a atenção ainda o fato de que um dos sócios desta empresa chegou a receber auxílio emergencial entre os anos de 2020 e 2021.
A mesma loteria também recebeu depósitos feitos pelos investigados que ofereciam suas chaves Pix para receber os recursos das extorsões do tráfico. Este é o tipo de estabelecimento que vem sendo utilizado por traficantes para a lavagem de capitais, pelo fluxo de dinheiro em espécie que recebe diariamente.
Os dados foram identificados nas investigações da Polícia Civil, que deram origem à Operação Conexão Perdida, realizada em comunidades do Espírito Santo e Rio de Janeiro nesta quarta-feira (29).
O foco eram traficantes e outras pessoas envolvidas na extorsão praticada contra comerciantes e empresários. Deles são cobrados “pedágios” que chegam a R$ 15 mil para que possam trabalhar nas comunidades oferecendo serviços de internet, distribuição de gás e água. Há casos até de dono de supermercado ameaçado.
A dança do dinheiro
A lavagem do dinheiro da extorsão envolveu muito trânsito financeiro e pelo menos três eixos: os que recebiam a extorsão, o grupo de empresas e seus sócios que movimentavam os valores para a "limpeza", que eram devolvidos aos traficantes.
Além de circular entre várias contas, o dinheiro também era utilizado no pagamento de boletos, com o objetivo de dificultar a rastreabilidade.
Exemplo de que eles acabavam retornando para os traficantes foi encontrado pela investigação em diálogo de um dos investigados, Luan Gomes Faria, o Kamu, uma das lideranças da facção criminosa do Terceiro Comando Puro (TCP) que está presa. Ele solicitou à dona de uma das empresas duas chaves pix, destinadas aos depósitos. Na sequência diz que vai precisar do saque de R$ 10 mil e R$ 40 mil para o dia seguinte.
A resposta por ele recebida foi de que teria que esperar, porque ainda não tinham conseguido “arrecadar” a quantia solicitada e que já tinha outra pessoa na fila. Uma espécie de “banco paralelo” dentro do Complexo da Maré, no Rio, e que oferecia até empréstimos para os moradores da comunidade.
Um sistema usado para lavar não só o dinheiro do tráfico local, mas também os recursos do TCP em Vitória. “A estimativa é de que movimentaram R$ 43 milhões em menos de um ano. Nós pedimos também o bloqueio de diversas contas bancárias usadas para a lavagem de dinheiro dessa quadrilha”, informou Romualdo Gianordoli Neto, subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública, que participou da operação no Rio.
Pelo menos três microempresas e empresa individual, duas delas funcionando no mesmo endereço — uma, curiosamente, leva em seu nome a palavra “bank” —, também foram identificadas como integrantes do esquema.
O que se apurou é que há uma intensa troca de valores entre as contas pessoais dos investigados e suas contas empresariais. Por vezes são utilizadas até contas de parentes, como filhos. A título de exemplo, entre uma destas pessoas e sua empresa houve transações de mais de R$ 7 milhões.
Um dado importante: a maior parte das transações financeiras são incompatíveis com a renda declarada dos investigados e o faturamento mensal das empresas.
A operação
A Operação Conexão Perdida foi realizada em bairros do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, em busca de criminosos envolvidos em um esquema de extorsão contra empresários e comerciantes.
Novos detalhes desta operação, e sobre os detidos, vão ser conhecidos nesta sexta-feira (31), em uma coletiva dos delegados que coordenaram os trabalhos, Alan Moreno de Andrade, coordenador do Centro de Inteligência e Análise Telemática (Ciat); e Romualdo Gianordoli Neto, titular da Subsecretaria de Inteligência (Sei), ambos da Secretaria da Segurança Pública (Sesp).
Entre os principais alvos procurados estavam duas lideranças do TCP: Bruno Gomes Faria, o Nono, escondido no Rio, que também abriga outro foragido, Marcos Luiz Pereira Junior, o MK. Os dois — Nono e MK — comandariam de lá as extorsões.
Nono é irmão de Luan Gomes Faria, o Kamu, e de Gabriel Gomes Faria, o Buti. Juntos são conhecidos como os irmãos Vera, em referência a mãe. Os dois — Kamu e Buti —, foram presos no final de 2023.
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