
O dia já estava se encerrando quando os policiais que fazem o plantão no DPM do Bairro da Penha, em Vitória, foram surpreendidos com um pedido de ajuda. Vinha de um homem que foi levado para o alto do Morro de São Benedito, onde foi espancado com socos e chutes e teve as mãos perfuradas a tiros. É mais uma vítima do justiçamento do tráfico.
O caso aconteceu no final do mês de janeiro e se reúne a outros registros, onde até uma mulher e uma criança foram alvos da violência dos traficantes. Tiros nas mãos, raspar a cabeça das mulheres, espancamentos e execuções estão entre as ações que representam uma ameaça aos que descumprem as regras impostas pelos grupos criminosos.
Desta vez a suposta motivação foi uma acusação de furto de uma botija de gás, que teria sido praticado pela esposa. Em busca de resolver o problema, a vítima pegou a que tinha em sua residência e a levou até a boca de fumo da região.
Lá encontrou os traficantes e tentou negociar, para evitar qualquer tipo de retaliação contra a sua família, o que não foi aceito. Ele foi levado para o alto do Morro de São Benedito, onde foi agredido com socos e chutes no joelho. E em cada uma das mãos recebeu um tiro.
As investigações iniciais apontam que as agressões partiram da facção criminosa Primeiro Comando de Vitória (PCV). A vítima foi socorrida e levada para um hospital da Capital.
Cenas que chocam
Vídeos a que a coluna teve acesso mostram a brutalidade praticada contra quem vive nas comunidades sob influência do tráfico. Em um deles uma criança chora, sentada no chão, reclamando de dor na mão ensanguentada e ferida a tiros. Relato feito ao policial que atendia a ocorrência enquanto aguardava o socorro.
A menos de dois metros dela, com o vestido manchado de sangue, a mãe está sentada, com as mãos também feridas sobre a mesa. Com o olhar perdido, não fala, não chora, não se manifesta. A suspeita é de que tenham sido acusadas de cometer furtos na região.
Há registros ainda nas comunidades do Território do Bem e em outros bairros de Vitória. Em um deles um homem é espancado com madeira e, ao final, obrigado a colocar as mãos abertas e juntas sobre a cabeça, que são atingidas por um disparo de arma de fogo.
Em outro vídeo uma vítima, além do espancamento, é arrastada pelas ruas do bairro antes de ser executada.
E tem a situação de uma jovem que, além das agressões, teve os cabelos cortados. Ela teria ido a uma festa no bairro vizinho, sob influência de outra facção criminosa. Todos os casos são marcados por muito sofrimento.
Tribunal do Crime
A justiça paralela praticada pelo tribunal do crime atinge até quem não integra as facções criminosas. Os grupos ouvem, julgam e executam em poucos minutos com base em regras por eles definidas e que vão desde brigas, acusações de furtos, visitas a comunidades rivais, entre outros problemas, ou decidindo até quem deve viver.
Mas há execuções contra os integrantes do grupo criminoso, como o caso citado no início do texto em que a vítima foi espancada, arrastada pelas ruas e morta. Outro exemplo está em uma denúncia do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), de um traficante que teve a cabeça arrancada e o corpo queimado. Práticas já adotadas em facções do Rio e de outros estados.
Ao ser ouvido pela coluna, o comandante da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES), coronel Douglas Caus, relata que este tipo de crime tem o objetivo de servir de exemplo para a comunidade. “São pessoas perigosas que não praticam seus crimes às escondidas. Pelo contrário, dão publicidade, divulgam em redes sociais para mostrar crueldade, força, para coagir os moradores a cumprirem suas ordens”, diz.
Informa que no Território do Bem, onde foram registrados vários casos de justiçamento, foi instalada a 6ª Companhia do 1º Batalhão, com policiais que fazem o patrulhamento a pé na comunidade, à noite e durante o dia.
“Nosso objetivo é inibir este tipo de crime com a presença diária do policiamento, o que dará menos espaço para que fiquem soltos e pratiquem estes e outros crimes. Queremos também aumentar a integração com a comunidade, para que se sintam seguros e possam até denunciar este tipo de situação”, pontua o comandante.
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