Cotas raciais em concursos municipais demoraram para acontecer no Espírito Santo
Cotas raciais em concursos municipais demoraram para acontecer no Espírito Santo. Crédito: Freepik

Criação de cotas raciais em concursos avança em prefeituras do ES

Ação da Defensoria Pública levou 25 municípios a implementarem regras de reserva de vagas para negros e indígenas em certames; iniciativa foi uma demanda do Movimento Negro

Tempo de leitura: 4min
Vitória
Publicado em 24/10/2024 às 13h53

As cotas raciais são uma política pública que garante o acesso de pessoas negras, pardas ou indígenas em universidades e concursos públicos. Por lei, essa garantia foi estabelecida pelo governo federal em 2014 e seguida pelo governo do Espírito Santo, em 2019. Mas em relação às prefeituras, as regras para estabelecer oportunidades étnico-raciais demoraram um pouco mais para acontecer.

Para reverter esse quadro, o Movimento Negro Unificado (MNU) acionou a comissão de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Espírito Santo. Os trabalhos começaram um pouco antes da pandemia, quando o órgão público enviou aos municípios ofícios solicitando informações sobre a reserva de vagas em certames.

O objetivo não era entrar com ações na Justiça e, sim, incentivar a criação de novas regras para a reserva de vagas, como explica o coordenador de Direitos Humanos da Defensoria Pública, Hugo Fernandes Matias. Segundo o defensor, as legislações podem ser regulamentadas por lei, por decreto ou ser inseridas em editais de concurso.

A iniciativa resultou no “Diagnóstico de Atuação da Defensoria Pública para: Reserva de Vagas para Negros e Indígenas em Concursos e Processos Seletivos nos Municípios do Espírito Santo”, apresentado em meados de 2024. A metodologia pode, inclusive, ser utilizada em outros temas como os relacionados às pessoas com deficiência. 

Em 2020, logo no início dos trabalhos, 55 municípios afirmaram que não havia lei municipal para reserva de vagas para esses públicos. Desde então, o órgão público ajuizou 64 ações civis públicas, além de envio de ofícios e recomendações. Com a iniciativa, 25 municípios tiveram avanços na política de reserva de vagas para negros e indígenas.

Conforme o relatório, três prefeituras (Aracruz, Itapemirim e Vila Pavão) apresentaram projeto de lei nas Câmaras para fazer a reserva de vagas.

Outros nove municípios já tinham leis específicas sobre o tema: Barra de São Francisco, Cachoeiro de Itapemirim, Cariacica, Castelo, Muqui, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória.

Após o relatório da Defensoria Pública, mais três municípios estabeleceram a lei de cotas, por meio de liminar. São eles: Água Doce do Norte, Afonso Cláudio e Mimoso do Sul.

Atuação da Defensoria

O tema começou a fazer parte do dia a dia dos defensores a partir de 2020. O coordenador de Direitos Humanos da Defensoria Pública, Hugo Fernandes Matias, lembra do episódio da Prefeitura de Cariacica, que já tinha legislação a respeito de reserva de vagas, mas na época não reservou a utilizou.

“Foi a partir desta situação que percebemos a necessidade da Defensoria Pública trabalhar nessa temática, em conjunto a partir de uma demanda do Movimento Negro. Na época, fizemos uma recomentação à Prefeitura de Cariacica e ela aceitou.  Logo no início do trabalho, emitimos correspondências para os 78 municípios, mas com a chegada da pandemia, todo o processo foi digitalizado”, comenta o defensor.

Matias ressalta que o objetivo não era entrar com ações na Justiça e, sim, incentivar a criação de novas regras para a reserva de vagas. 

“Tivemos resultados concretos neste trabalho e ainda replicamos a metodologia para outros temas”, comenta o defensor.

Luta de longa data

A luta para que as prefeituras oferecessem a reserva de vagas em concurso público já vem de longa data. A professora de filosofia e coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU) do Espírito Santo, Vanda Movimento Negro, lembra que tudo começou em 2006, quando o então vereador Eliézer Tavares elaborou um projeto de lei de cotas no serviço público.

A ativista recorda que no certame para auditor fiscal candidatos entraram com uma ação na Justiça alegando que seria inconstitucional um vereador sugerir um projeto de lei a favor de cotas.

“Na época, houve uma audiência pública onde vieram juristas que defendiam ou eram contra a regra. As discussões foram acontecendo até que se passaram seis anos e o assunto não foi para frente. Foi na gestão do ex-prefeito Luciano Rezende que a lei foi efetivamente sancionada com a reserva de 20% para negros, mas só entrou em vigor em 2018, ano em que foi realizado um grande concurso da Prefeitura de Vitória”, lembra.

Vanda comenta que antes mesmo de 2018 ela havia solicitado ao defensor Hugo Fernandes Matias que a Defensoria Pública entrasse no assunto, que é de interesse público, principalmente para população negra.

“É preciso entender que a lei de cotas ajuda a mudar o quadro nas prefeituras e quem procura os serviços municipais passa a ser atendido por profissionais negros. A situação faz com que essas pessoas possam acreditar mais em si mesmas e que também podem ter oportunidades, que surgem com a criação desse tipo de regra”, avalia.

No Espírito Santo, a lei estadual entrou em vigor efetivamente na administração de Renato Casagrande, em 2019. Já a lei federal 12.990 entrou em vigor em 2014. Ambas asseguram a reserva de 20% das oportunidades para negros e indígenas.

Até o final de 2023, apenas sete estados e o Distrito Federal tinham reserva para servidores negros. Há dez anos, eram somente dois estados com alguma ação afirmativa. O levantamento é de O Globo.

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