Vivemos as consequências da polarização que tomou conta do país e que deu a Lula uma vitória apertada nas eleições do ano passado. Ciente dos riscos de uma perda de popularidade no seu primeiro ano de governo, o presidente busca garantir o apoio de sua base histórica e fiel. Com isso, ao mesmo tempo em que pediu licença para gastar de R$ 200 bilhões, adotou um discurso de enfrentamento, com o mercado tentando consolidar sua imagem de "pai dos pobres", voltando ao velho "nós contra eles" que tanto usou em sua primeira passagem na Presidência.
Lula certamente foi avisado de que a atividade econômica já estava em desaceleração no fim do ano passado, com os efeitos das altas na taxa Selic já chegando à economia real. Logo, tratou de garantir verba para agradar seu eleitorado: piso salarial dos professores elevado, aumento no Bolsa Família, aumento nos salários dos funcionários públicos, nas bolsas da Capes. E outras medidas nessa mesma direção ainda devem ser anunciadas.
Em paralelo, ataques ao teto de gastos, às privatizações, à reforma trabalhista, ao mercado e, principalmente, ao Banco Central consolidam sua estratégia política. Afinal, se a economia irá desacelerar, é preciso achar um inimigo para chamar de seu e nele pôr a culpa. O Lula conciliador e que iria unir o país, ao menos, por enquanto, fica no armário.
É certo que algumas das medidas anunciadas também seriam implementadas por Bolsonaro caso ganhasse a eleição. Os funcionários da União estão há quatro anos sem reajuste salarial, e o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 foi promessa de campanha. Não tenho dúvidas de que Bolsonaro também pediria um waiver no teto de gastos.
No entanto, no meio desse xadrez político, temos um problema: inflação alta, com um Banco Central independente e determinado a fazê-la convergir para uma meta audaciosa e que, na minha avaliação, já deveria ter sido revisada desde que a Rússia invadiu a Ucrânia um ano atrás. Assim, vivemos um cenário em que juros altos se fazem necessários para frear a economia e a alta continuada dos preços.
Assumir o governo e já no primeiro ano entregar uma economia pior que a herdada de seu antecessor é tudo o que Lula não quer. Logo, os ataques ao último agente nomeado por Bolsonaro ainda com poder se intensificaram. Quando a desaceleração chegar, o Banco Central deverá ser considerado o culpado. No entanto, o discurso populista adotado até aqui mina a confiança de que a inflação cederá e gera uma necessidade ainda maior de permanência dos juros em patamares elevados por mais tempo. Perdemos todos nós.
Esse tipo de postura bélica não é nada positiva para o país a longo prazo, visto que precisamos de harmonia entre os Poderes e instituições fortes e confiáveis. O presidente não pode patrocinar uma campanha contra o presidente do Banco Central. No entanto, Lula sabe que, por mais que a inflação seja a pior carga sobre os mais pobres, há uma certa tolerância com ela.
Uma taxa anualizada de 5% ou 3% para o brasileiro médio no curto prazo não fará diferença. Já o noticiário destacando o aumento do desemprego e a queda do PIB certamente será mais negativo para sua imagem, por isso toda a polêmica em torno da meta, que, apesar de errada, não é o grande problema, mas sim o descontrole fiscal.
Caminhos a seguir
A economia é cíclica e, quando os governos tentam se sobrepor aos ciclos negativos, isso geralmente não termina bem. Dilma tentou isso entre 2013 e 2014 e nos entregou a maior recessão da nossa história em 2015 e 2016. Felizmente, o mundo de hoje é diferente e a situação econômica também. Não viveremos uma nova forte recessão, porém seria saudável que o governo aceitasse o ciclo e enfrentasse alguns trimestres ruins e, assim, proporcionasse credibilidade à política monetária para que os juros recuassem naturalmente.
O resultado futuro seria promissor, com um ciclo longo de baixa nos juros, um mundo jogando a favor com boa demanda por nossas commodities e, o principal, com a credibilidade de uma política econômica séria e com visão de longo prazo. Infelizmente, mais uma vez, sofreremos as consequências do populismo, que podem até segurar as coisas em patamares razoáveis no curto prazo, mas que no futuro cobram um preço alto.
No entanto, nem tudo é desesperador. Na equipe econômica, temos visto uma postura de maior responsabilidade. Caso consigam, conforme prometido, aprovar um novo marco fiscal crível e pelo menos parte da reforma tributária, poderemos ter dias melhores pela frente. Por enquanto, só nos resta torcer para que o xadrez político não se imponha sufocando as boas iniciativas que brotam das equipes de Fernando Haddad e Simone Tebet.
Com a inflação controlada e os juros mais baixos, o consumo se fortalece e as companhias gastam menos com o serviço de suas dívidas, o que fortalece o investimento e gera empregos. O Brasil precisa de juros mais baixos, mas atacar o Banco Central não é o caminho para que isso aconteça.
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