É comum acreditarmos que o futuro será uma repetição do passado. No entanto vivemos em um mundo em constante transformação, onde empresas que já foram dominantes podem encolher ou até desaparecer. No Brasil, a Vale tem sido vista como uma companhia segura e sinônimo de lucro certo nos últimos 30 anos. Afinal, suas ações valorizaram-se em média quase 20% ao ano nesse período. Porém os fundamentos que sustentaram esse desempenho extraordinário parecem estar mudando.
A grande demanda por minério de ferro está diretamente ligada à produção de aço, que, por sua vez, é utilizado em grande parte para obras de infraestrutura e construção de edifícios. Desde que a China iniciou seu movimento acelerado de urbanização, trazendo a população do campo para as cidades, a demanda por minério de ferro explodiu. Os preços da commodity, que antes eram cotados abaixo de US$ 10, chegaram a ultrapassar US$ 200. A China, sozinha, responde por 70% da demanda no mercado transoceânico, onde a Vale concentra a venda de sua produção. No entanto o processo de urbanização na China está chegando ao fim, e a demanda por minério de ferro deixou de crescer.
Há muita especulação de que a Índia, outros países da Ásia e a África poderiam compensar essa queda na demanda chinesa. No entanto não há evidências concretas que confirmem essa possibilidade. A Índia, por exemplo, possui muitas jazidas internas de minério e não será, nem no curto nem no longo prazo, tão dependente de importações como a China foi até agora. Para complicar ainda mais, grandes projetos de mineração estão em desenvolvimento na África e na Austrália e devem aumentar a oferta no mercado transoceânico nos próximos anos. Diante desse cenário, os riscos apontam para uma tendência de queda nos preços do minério de ferro.
Apesar de contar com uma importante divisão de metais básicos, a Vale ainda é altamente dependente do minério de ferro, que representa mais de 90% de seus resultados. A queda nos preços achata suas margens e complica sua capacidade de gerar retornos sustentáveis para seus acionistas a longo prazo. Está claro que o desempenho dos últimos 30 anos não se repetirá nos próximos 30. O cenário futuro é bastante desafiador.
Como diferencial, a Vale possui, em Carajás, um minério de alta qualidade, o que lhe confere alguma diferenciação e um prêmio no preço de venda. No entanto, nos últimos anos, o custo de produção tem aumentado, um problema que a companhia tem tentado resolver, embora com sucesso limitado até o momento. A cotação das ações da Vale reflete essa complexa situação futura. Quem adquiriu ações da empresa no início de 2021, mesmo considerando os dividendos, teve um ganho praticamente nulo, enquanto a Petrobras, no mesmo período, entregou 300% de retorno aos seus acionistas.
Há uma expectativa de que os preços do minério de ferro estejam próximos do piso, já que o custo de produção global teria subido e estamos próximos desse limite. Ou seja, se os preços permanecerem baixos, os produtores menos eficientes deixarão o mercado, reduzindo a oferta e, potencialmente, permitindo uma recuperação dos preços.
Contudo, ninguém espera mais uma forte alta nos preços da commodity. Esperar grandes valorizações da Vale, como as vistas no passado, parece ser uma ancoragem em tempos que já ficaram para trás. Os fundamentos do mercado mudaram, e a tendência é termos um mundo cada vez mais sustentável, com menor consumo de minério de ferro e com a nossa gigante mineradora perdendo relevância.
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