Felipe Storch Damasceno é economista com mestrado e doutorado em Administração e Contabilidade. É professor de Economia e pesquisador dos impactos sociais e econômicos de políticas públicas. Também é consultor, palestrante e comentarista na CBN Vitória

Além da isenção do IR: a reforma tributária que o Brasil precisa

A reforma abrangente do Imposto de Renda representa uma chance para o país construir uma estrutura tributária na qual quem ganha mais contribui proporcionalmente mais; ao mesmo tempo, pode reduzir custos burocráticos e aumentar a transparência

Publicado em 19/03/2025 às 08h53
Isenção do Imposto de Renda
Isenção do Imposto de Renda. Crédito: Shutterstock

A recente medida do governo federal de ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil e oferecer descontos para rendimentos até R$ 7 mil representa um avanço tímido frente ao desafio estrutural que o sistema tributário brasileiro enfrenta. Essa decisão, embora benéfica para alguns contribuintes, está longe de configurar a reforma abrangente que o país necessita.

A não atualização sistemática da tabela do Imposto de Renda tem provocado um fenômeno perverso: a classe média brasileira tem sido progressivamente mais onerada ao longo dos anos. Com a incidência contínua da inflação, trabalhadores que não atingem as faixas tributáveis ou estão em alíquotas menores acabam sendo empurrados para faixas superiores sem que isso represente ganho real de poder aquisitivo.

Esse mecanismo funciona como um aumento silencioso de impostos. Um trabalhador que recebe reajustes salariais apenas para compensar a inflação acaba pagando proporcionalmente mais imposto, ainda que seu poder de compra permaneça estagnado.

O sistema tributário brasileiro atual opera de forma fragmentada, com diferentes impostos e contribuições criados em momentos distintos, sem uma visão integrada de seus impactos econômicos. Essa desarticulação resulta em distorções que comprometem tanto a justiça fiscal quanto a eficiência econômica. O IRPF, o IRPJ, a CSLL e os dividendos formam um sistema interconectado que determina a tributação total sobre a renda no país. Alterações isoladas em qualquer desses componentes podem gerar efeitos colaterais indesejados e oportunidades de planejamento tributário que minam o objetivo de justiça fiscal.

Pelo lado das pessoas jurídicas, o Brasil possui uma das maiores cargas tributárias sobre empresas no mundo, com a combinação de IRPJ (15% + adicional de 10%) e CSLL (9%), resultando em alíquotas que podem chegar a 34%. Essa carga elevada contrasta com a média internacional e gera diversos problemas:

  • Desestímulo ao investimento produtivo 
  • Incentivo à informalidade
  • Complexidade administrativa
  • Planejamentos tributários agressivos

Uma reforma integral deveria considerar a redução gradual dessas alíquotas, alinhando-as às práticas internacionais, mas, em contrapartida, eliminando benefícios setoriais injustificados e fechando brechas para elisão fiscal. Além disso, a isenção de dividendos, implementada em 1995, criou uma assimetria no sistema: enquanto o rendimento do trabalho é tributado progressivamente (até 27,5%), o capital distribuído aos sócios e acionistas fica isento na pessoa física.

A justificativa da época — evitar a bitributação, já que os lucros são tributados na empresa — perde força quando se observa que:

  1. Muitos países adotam sistemas que tributam dividendos com alíquotas reduzidas; 
  2. Diversos mecanismos de planejamento tributário permitem reduzir significativamente a tributação na pessoa jurídica;
  3. A desigualdade de tratamento entre capital e trabalho contribui para a concentração de renda

Uma reforma equilibrada deveria reintroduzir a tributação de dividendos, possivelmente com alíquotas moderadas (10-15%), compensada por reduções no IRPJ e na CSLL, mantendo a carga total similar, mas distribuindo-a de forma mais equitativa.

Desse modo, a verdadeira reforma deveria buscar um sistema integrado, no qual a tributação total sobre o lucro (somando PJ e dividendos) seja competitiva internacionalmente, garantindo que o Brasil não perca investimentos para outros países com cargas tributárias mais atrativas. 

Além disso, o sistema não deve criar distorções nas decisões de investimento e financiamento, permitindo que escolhas empresariais sejam tomadas por critérios econômicos e não por vantagens fiscais artificiais. É fundamental que haja tratamento equilibrado entre diferentes formas de organização empresarial, evitando que a estrutura tributária favoreça determinados modelos de negócio em detrimento de outros.

A progressividade precisa ser respeitada, com maior tributação sobre rendas mais elevadas, honrando o princípio constitucional da capacidade contributiva. Por fim, a complexidade do sistema deve ser reduzida drasticamente, diminuindo os custos de conformidade e facilitando tanto o cumprimento das obrigações pelos contribuintes quanto a fiscalização pelo Estado.

A reforma abrangente do sistema de Imposto de Renda representa uma oportunidade para o Brasil avançar na construção de uma estrutura tributária mais progressiva, onde quem ganha mais contribui proporcionalmente mais. Ao mesmo tempo, pode ser um instrumento de simplificação e modernização, reduzindo custos burocráticos e aumentando a transparência. A implementação dessas mudanças exige diálogo amplo com a sociedade e compromisso com o interesse coletivo acima de interesses setoriais.

O momento pede ousadia para enfrentar as distorções históricas de nosso sistema tributário e avançar rumo a um modelo que contribua para o desenvolvimento econômico sustentável e para a redução das desigualdades. O caminho para uma reforma integral do IR está aberto. Resta saber se teremos a coragem política de percorrê-lo.

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