
O cenário econômico brasileiro apresenta um paradoxo evidente: enquanto o Banco Central eleva a taxa Selic para 13,25%, adotando uma política monetária restritiva para conter a inflação, o governo, por outro lado, estimula o crédito consignado para trabalhadores formais. Essa dualidade de medidas reflete a complexidade dos desafios enfrentados pela economia.
A inflação atual não pode ser explicada apenas por desequilíbrios monetários tradicionais. Ela é impulsionada por fatores como a desorganização das cadeias globais de suprimentos no pós-pandemia, o realinhamento dos preços internacionais, pressões cambiais e o aumento dos custos de insumos estratégicos. Esses elementos combinados criam um ambiente inflacionário multifacetado, que exige respostas políticas igualmente diversificadas.
Nesse contexto, o crédito consignado privado surge como um mecanismo de política econômica expansionista. Ao injetar liquidez diretamente na mão de trabalhadores formais, ele atua como um canal de aumento de potencial de consumo, mitigando parcialmente os efeitos restritivos da alta da Selic.
Esse comportamento pode levar a períodos mais longos de política restritiva por parte do Banco Central, afetando empresas e a capacidade de investimento. Também é importante lembrar: essa modalidade de crédito não está isenta de riscos. Embora o crédito consignado pareça vantajoso à primeira vista, ele carrega vulnerabilidades estruturais que, muitas vezes, passam despercebidas. Como esses empréstimos estão diretamente vinculados à condição empregatícia, trabalhadores que perdem seus empregos ou cujas empresas entram em falência ficam com dívidas sem uma fonte de renda para quitá-las. Essa dependência da estabilidade do emprego introduz um risco significativo, especialmente em um cenário de incerteza econômica.
As instituições financeiras, por sua vez, precificam essa incerteza por meio de subsídios cruzados. Ao tornar o crédito consignado artificialmente atrativo, o governo acaba pressionando o mercado de crédito tradicional, tornando as taxas do crédito livre menos competitivas e gerando distorções no sistema financeiro. Essa intervenção estatal, embora bem-intencionada, pode produzir efeitos colaterais negativos.
Um dos principais problemas é que os consumidores são incentivados a assumir compromissos financeiros sem uma avaliação completa dos riscos envolvidos. Em um contexto de instabilidade econômica, isso pode levar a um endividamento excessivo e a dificuldades financeiras no futuro. Além disso, o resultado prático dessa política é uma transferência velada de riscos: enquanto instituições financeiras e o Estado encontram maneiras de mitigar suas próprias exposições, as vulnerabilidades acabam recaindo sobre trabalhadores de menor renda.
Para enfrentar esses desafios, uma política econômica responsável deve priorizar a transparência, a educação financeira e a proteção efetiva do consumidor. Em vez de criar incentivos que mascaram riscos reais, é essencial adotar medidas que promovam o equilíbrio entre o acesso ao crédito e a sustentabilidade financeira dos indivíduos. O cenário atual exige uma abordagem multidimensional.
É necessário combinar rigor monetário, proteção ao consumidor e estímulos seletivos ao crédito para navegar os desafios econômicos contemporâneos de forma eficaz. Somente com políticas bem estruturadas e transparentes será possível equilibrar o controle da inflação com a promoção do bem-estar financeiro da população.
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