Felipe Storch Damasceno é economista com mestrado e doutorado em Administração e Contabilidade. É professor de Economia e pesquisador dos impactos sociais e econômicos de políticas públicas. Também é consultor, palestrante e comentarista na CBN Vitória

O custo do descompasso no planejamento energético brasileiro

Mesmo diante de abundância de recursos naturais e tecnologias disponíveis, deficiências de governança podem transformar potenciais vantagens em desvantagens competitivas, criando impactos na economia e onerando toda a sociedade

Publicado em 02/04/2025 às 08h37

O Brasil vive um paradoxo energético peculiar: possui uma das matrizes mais limpas do mundo e um potencial extraordinário para energias renováveis, mas enfrenta gargalos estruturais que comprometem o aproveitamento dessas vantagens. A falta de coordenação e planejamento integrado do setor energético brasileiro tem criado distorções que impactam não apenas a economia, mas também o desenvolvimento sustentável do país.

O Nordeste brasileiro emerge como região privilegiada para a produção de hidrogênio verde, combustível considerado essencial para a transição energética global. Com condições excepcionais de irradiação solar e regime de ventos, a região poderia se tornar um polo exportador desse recurso estratégico. Contudo, a capacidade de escoamento dessa produção encontra-se severamente limitada pela insuficiência de linhas de transmissão.

Linhas de transmissão e redes de distribuição são ativos de baixa visibilidade política, mas fundamentais para um sistema energético eficiente. Crédito: Shutterstock
Linhas de transmissão e redes de distribuição são ativos de baixa visibilidade política, mas fundamentais para um sistema energético eficiente. Crédito: Shutterstock

Essa deficiência na infraestrutura impõe um custo de oportunidade significativo. Enquanto países como Alemanha, Japão e Coreia do Sul investem bilhões na importação de hidrogênio verde, o Brasil permanece incapaz de aproveitar plenamente seu potencial produtivo. A escassez de linhas adequadas transforma-se, assim, em barreira à atração de investimentos e à geração de divisas.

Um segundo fenômeno sintomático desse descompasso planejador manifesta-se no curtailment — desligamento forçado de usinas solares durante períodos de plena capacidade produtiva. Fazendas solares de grande porte, especialmente em regiões como Minas Gerais e Nordeste, enfrentam ordens de redução ou interrupção de geração para evitar sobrecargas no sistema de transmissão. Esse descasamento entre capacidade geradora e infraestrutura de transmissão provoca perdas bilionárias para investidores e consumidores. Usinas que poderiam fornecer energia limpa e a custos competitivos são forçadas a desperdício sistemático de sua capacidade produtiva, elevando o custo médio de geração e comprometendo a viabilidade econômica dos empreendimentos.

O terceiro componente dessa disfunção estrutural manifesta-se nas crescentes restrições à geração distribuída em grandes centros consumidores. Concessionárias de distribuição em Estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro começam a impor limitações técnicas à conexão de novos sistemas fotovoltaicos, alegando saturação de suas redes. Para consumidores e pequenos geradores, essas restrições representam a impossibilidade de acessar os benefícios econômicos da autoprodução energética. Para a sociedade, significa subutilização de telhados e áreas urbanas que poderiam gerar energia próxima aos centros de consumo, reduzindo perdas de transmissão e aliviando a necessidade de novas linhas de longa distância.

A questão da governança setorial no Brasil revela um problema sistêmico mais amplo que ultrapassa o setor energético. A falta de planejamento público integrado cria uma cascata de ineficiências que, em última análise, onera toda a sociedade através de múltiplos mecanismos. Primeiramente, a fragmentação institucional entre agências reguladoras, ministérios e empresas estatais produz silos decisórios. No setor energético, temos a EPE focada em planejamento, a Aneel em regulação, o ONS na operação do sistema e o CMSE em monitoramento — frequentemente, com visões divergentes e cronogramas desalinhados. Essa fragmentação se replica em outros setores como transportes, telecomunicações e infraestrutura urbana.

O horizonte temporal político de curto prazo agrava essa situação. Ciclos eleitorais de quatro anos favorecem projetos de visibilidade imediata em detrimento de investimentos estruturantes que requerem décadas para maturação. Linhas de transmissão e redes de distribuição, por exemplo, são ativos de baixa visibilidade política, mas fundamentais para um sistema energético eficiente. A assimetria entre os tempos de implementação também contribui para o descompasso. Usinas solares podem ser construídas em meses, enquanto linhas de transmissão podem levar anos devido a processos de licenciamento, desapropriação e construção. Sem coordenação temporal, criam-se gargalos que comprometem o retorno de investimentos já realizados.

Essa falta de planejamento integrado impõe custos distribuídos por toda a sociedade:

1. Custos diretos aos consumidores via tarifas mais elevadas, que incorporam encargos para compensar ineficiências sistêmicas e o custo de oportunidade de recursos subutilizados.

2. Perda de competitividade empresarial, quando indústrias enfrentam custos energéticos superiores aos concorrentes internacionais.

3. Custos ambientais, quando potenciais de geração renovável permanecem inexplorados enquanto fontes mais poluentes continuam operando.

4. Custos sociais de empregos não gerados em cadeias produtivas que poderiam desenvolver-se com infraestrutura adequada.

5. Custos intergeracionais, quando decisões atuais comprometem a capacidade futura de transformar recursos naturais abundantes em desenvolvimento socioeconômico.

A solução demandaria uma reforma institucional que estabelecesse mecanismos formais de coordenação entre agências reguladoras e instâncias de planejamento, com obrigações legais de harmonização de planos setoriais. Exigiria também a criação de instrumentos de planejamento com força vinculante, protegidos de ciclos políticos, e mecanismos de responsabilização por descumprimento de metas de médio e longo prazo.

O caso energético brasileiro ilustra como, mesmo diante de abundância de recursos naturais e tecnologias disponíveis, deficiências de governança podem transformar potenciais vantagens comparativas em desvantagens competitivas, onerando toda a sociedade com o custo da imprevidência institucional.

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