Orçamento familiar, principalmente para quem gasta tudo que ganha mês a mês, é um cobertor curto. Há sempre decisões difíceis de se tomar, em que uma escolha de compra pode significar o cancelamento de outra. Por isso, pesquisar acerca dos padrões de consumo da população é tão importante para diversos setores da economia, principalmente aqueles ligados ao varejo. É importante também estudar a trajetória de renda, emprego e endividamento (cuja despesa são os juros) para entender como o consumidor se comportará daqui para a frente.
Há cerca de um ano, a rede supermercadista Assaí reportou uma mudança nos padrões de consumo dos seus consumidores, com uma diminuição no volume de compras dos produtos da rede. Através de pesquisas com os clientes, o Assaí detectou que há um novo componente do orçamento familiar que não é desprezível: a entrada dos gastos com apostas esportivas. E isso, segundo a empresa, fez com que os consumidores gastassem menos dentro do supermercado.
Neste mês de agosto de 2024, a fabricante de roupas SideWalk pediu recuperação judicial e culpou (em parte) a popularização das apostas esportivas como um dos fatores determinantes para a diminuição das vendas da empresa.
O Brasil já foi um país bastante fechado para jogos de azar. Mas com a aprovação de um novo marco regulatório para o setor, e com a regulamentação trazida pela Medida Provisória 1182/2023, esse mercado explodiu. Já somos top 10 no mundo em volume de apostas, e a maioria dos times de futebol da Série A são patrocinados por empresas do ramo, em porcentagem que provavelmente é a maior do mundo.
Recentemente, o diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, cotado para ser o próximo presidente da instituição, externou preocupação, publicamente, com o fato de que os recursos gerados pelo crescimento da renda e do emprego vem "vazando" para jogos e apostas.
Esse mercado é contruído matematicamente, de forma que a "banca" sempre ganha. No ramo de apostas esportivas, a empresa fatura algo em torno de 2 a 4% do volume apostado. Perdas e ganhos da casa de apostas se somam dentro de um "cardápio" amplo de jogos, onde a banca "diversifica" o seu risco, e o resultado da banca aparece no final. É um ramo altamente computadorizado, onde algoritmos analisam os dados e alteram as odds (remuneração da aposta vencedora) conforme o movimento dos apostadores, praticamente garantindo o ganho da banca.
É por isso que a maioria esmagadora dos apostadores terá prejuízo líquido, o jogo é feito para isso. É possível ganhar dinheiro com apostas esportivas? Sim, é possível, mas é difícil e até improvável. Não basta ter uma visão privilegiada do esporte e uma certa sorte, é preciso ganhar do adversário mais difícil, aquele que sempre vence: a banca.
Lelio Monteiro
Colunista
"Há quem diga que o entretenimento justifica o gasto, mas é preciso ter consciência de que, na maioria das vezes, é um gasto que vai tomar o lugar de outros itens do orçamento familiar. É assustador que essa nova despesa possa estar reduzindo o consumo de bens essenciais, como aqueles que são vendidos em uma rede de supermercados, incluindo comida"
Esse fenômeno da entrada das apostas no orçamento das famílias provavelmente veio para ficar. É importante que haja a conscientização da população acerca do assunto, algo que passa pela educação financeira e pelo conhecimento básico de aspectos de finanças pessoais. Há também que se considerar os aspectos psicológicos envolvidos, já que é possível desenvolver compulsão e vício no jogo.
Empresas cujas vendas dependem do consumo da população tem um novo concorrente, isso é um fato. Dá pra arriscar e dizer que os gastos em apostas têm efeito desinflacionário, porque contém a demanda sobre diversos produtos. Há quem diga que os jogos de azar movimentam a economia, aumentando o PIB. O problema é o efeito que isso causa dentro de cada lar, de cada orçamento familiar, possivelmente gerando concentração de renda. É isso que o Governo vai precisar acompanhar daqui para a frente.
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