A pandemia e seus efeitos ainda estão vivos na memória de todos. A abrupta interrupção na mobilidade das pessoas provocou graves consequências econômicas, e uma delas foi a aceleração da inflação em todo o mundo. Para dar suporte para a economia em contração, tivemos juros reais negativos (Selic de 2% ao ano, bem abaixo da inflação) por um longo período.
Quando a inflação começou a mostrar resiliência e transmissão por toda a economia, ainda no meio da pandemia, o Banco Central brasileiro fez seu papel, voltando a subir juros para conter a inércia inflacionária que poderia se instalar. E o fez antes de outros países. O resultado é que o nosso IPCA está bem mais calmo, mas não totalmente controlado. De qualquer forma, neste mês de agosto de 2023, houve espaço para iniciar a queda da Selic. Ainda estão previstos novos cortes de 50 pontos, e a dúvida é até que ponto a Selic vai cair.
O fato de termos subido juros antes do restante do mundo, lá em 2021, também contribuiu para conter o dólar desde então. Quando o diferencial de juros do Brasil para os EUA está muito alto — aqui os juros são, via de regra, sempre mais altos do que os juros americanos —, há incentivo para que o investidor, brasileiro ou estrangeiro, destine recursos para a renda fixa por aqui, no lugar de investir em renda fixa no exterior.
Ao mesmo tempo, grandes empresas podem tomar dívida em dólar liquidando dívida doméstica. Bancos podem fazer o mesmo levantando recursos no exterior para aplicar em juros brasileiros, o chamado carry trade, operação que tinha cessado com a Selic baixa. Como essas operações geram fluxo de dólares para o Brasil, acabam alimentando a queda da cotação da moeda americana.
Enquanto a Selic foi mantida em 13,75%, a pressão de baixa na cotação do dólar, no médio e longo prazo, na ausência de novas crises econômicas, se tornou irresistível. Também por isso, o dólar cedeu até encontrar o piso próximo de R$ 4,70.
Cabe ressaltar que o dólar se desvalorizou em todo o mundo, nos últimos meses, de forma generalizada, e por diversos outros fatores. No entanto, o real, em tempos de Selic alta, chegou a ser campeão de valorização frente ao dólar, comparado com outras moedas.
E, na pandemia, quando nossa taxa Selic ficou muito baixa, fomos campeões de desvalorização, o que mostra o poder dos juros para influenciar os termos de troca entre o dólar e o real. De certa forma, esse movimento de alta ou de baixa do dólar também acaba afetando a inflação doméstica e, por isso, é tão importante para o Banco Central.
Agora, o caminho se inverte. Nos Estados Unidos, o FED acabou de subir a taxa básica americana para 5,5% ao ano, o que deverá ser o fim do ciclo de alta por lá, justamente no momento em que o Banco Central brasileiro iniciou o ciclo de baixa.
Agora, cada 50 pontos de baixa na Selic irá retirar um pouco das amarras que impediam a desvalorização do real e seguravam a alta do dólar. A taxa básica americana só vai começar a cair no segundo semestre de 2024, segundo projeções de mercado. De certa forma, a taxa americana em 5,5% ao ano fornecerá um piso para a Selic. O Banco Central brasileiro não poderá manter um diferencial muito baixo de juros, sob o risco de ver o dólar subir demais, afetando a inflação.
De qualquer forma, é importante observar o comportamento da moeda daqui para a frente, já que, com a queda da Selic, a força de baixa no dólar pode se esgotar e, quem sabe, ocasionar uma inversão, com tendência de alta do dólar no médio e longo prazo.
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